quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A vida na flauta

A Marisa está na banda da escola. Confira aqui e à esquerda um vídeo e fotos do primeiro concerto. Fiquei emocionado quando vi a Pequena lá no palco, mas nem sempre foi assim positiva minha relação com a flauta.

Quando a Florzinha decidiu entrar na banda, achei o máximo, afinal ela já tem um teclado, que a gente inacreditavelmente trouxe do Brasil e seria ótimo ver esse trambolho em uso. Hum-hum, não, não. Para alunos da sexta séria apenas dois instrumentos estão diponíveis: flauta e clarineta. Ela optou pelo primeiro. E aí começou minha tensão. Cresci ouvindo dona Nilma reclamar que fulano queria levar a vida na flauta. Levar a vida na flauta, se não me trai o baianês, é ficar à sombra, em banho-maria, se fingir de morto (para comer o cu do coveiro, como diria um amigo gaúcho contraído em Brasília e hoje radicado no Maranhão). Deu para entender? Levar a vida na flauta é, em uma palavra, ser preguiçoso (duas, é verdade).

Pois minha filha havia decidido levar a vida na flauta. Tudo bem, não basta ser pai, tem de participar, e levei a moçoila com todos os seus hormônios e o cartão de crédito da mãe para uma peregrinação pelas lojas de instrumentos musicais. Segundo susto, sabe lá quando custa uma flauta? E das de estudante, não as profissionais? Mais do que um pay check meu lá do Wal. Mãinha devia ter se informado melhor antes de me incutir a idéia de que levar a vida na flauta é fácil.

Os lojistas são sabidos, estão acostumadas à cara de desespero dos pais quando vêem o valor e oferecem um pacote bem em conta de aluguel com opção de compra. Você paga US$ 40 por mês e depois de 214 anos a flauta, ou o que sobrar dela, é sua. A vantagem é que o leasing inclui um seguro para consertos. Eu pensei: e que defeito pode apresentar uma flauta? Não se passaram três meses para a resposta chegar.

A dita cuja vem desmotanda em três peças em um estojo metido a besta. Toda vez que quer praticar, e isso acontece diariamente na escola pela manhã e à tardinha em casa, fora fim-de-semana, feriado, dia santo, dia amaldiçoado, e aquela meia horinha em que você decide dar uma pausa do estudo e tirar um cochilo, a Pequena tem de montar o instrumento.

Esse processo constante de tira e põe causa um desgaste. O moço da loja disse que o ideal é deixar o instrumento armado o tempo todo, ereto em um pedestal, ofereceu até o pedestal por módicos US$ 16, plus tax. Ereto o tempo todo? Essa flauta é um troço muito avançadinho para minha inocente filhota de 12 anos incompletos.

Depois de quase três meses dando duas obrigatórias por dia, mais as de lazer do sábado e domingo, a flauta deu sinal. Papai, me grita a Marisa lá do quarto enquanto eu tentava traçar um paralelo entre Freire e Knowles no texto do mestrado, não consigo fazer a cabecinha entrar no corpo. Eu gelei, sou um pai moderninho, mas tem limite, tem coisa que prefiro (assim como em relação à patroa) não saber, muito menos ensinar. Vou ao não vou ao socorro da mocinha? Papai? Tá apertado, tá difícil fazer entrar...

Respirei fundo, fiz a sempre aconselhável contagem regressiva de 10, e revelei: meu amor, tenta com jeitinho, que entra. Papai, tá duro demais, é muito apertado, você não pode vir aqui me ajudar? Pequena, o papai tá ocupado (e eu disse isso como se ela ainda tivesse cinco anos), tenta com cuidado, põe só a pontinha, com jeito, depois que a cabeça passa, o resto vai que é uma beleza.

Três minutos depois, Papai, não tem como, é impossível fazer esse negócio entrar, esse buraquinho é muito apertado. A frase me pareceu hereditária, e resolvi abrir o jogo: Marisete, dá uma cuspidinha minha filha, que entra, garanto, a cuspidinha é batata.

Mas não teve jeito, a cuspidinha não foi suficiente e desde a gravidez a gente não tem KY em casa. Sou daqueles que, indagado sobre o que levaria para uma ilha deserta, rebate na lata: KY e Super Bonder. O que nessa vida não for resolvível com KY ou Super Bonder, esquece.

E lá se foi a flauta para a recauchutagem. Voltou novinha, cabeça entrando no corpo de primeira, que nem quiabo no caruru. É a evolução, até flauta já faz períneo. E pago pelo plano de saúde.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Dono de casa em contagem regressiva


Em algum ponto debaixo dessa pilha de louça há duas pias. Preciso ter acesso a elas para lavar essa tranqueira. Antes disso, porém, tenho de achar a esponja. E depois os gringos ficam revoltados quando digo que estou em contagem regressiva para voltar ao Brasil.

Beijos e saudades,

sábado, 24 de outubro de 2009

NC State Fair and U2 de graça



Ontem foi dia de folga por aqui. Isa saiu mais cedo da escola, assim como a Pequena. Eu já estava off no Wal e fomos todos para a North Carolina State Fair. É a boa e velha pecuária que acontece em boa parte do Brasil.

A feira foi em Raleigh, a capital do estado. Quando o GPS apontava que faltavam duas milhas para o local começou o engarrafamento. O tempo passando, o carro andando de metro em metro e a paisagem começa a ficar conhecida. Mais alguns minutos de engarrafamento e a Isa matou a dúvida: a feira acontece no mesmo local onde foi o show do U2. O show foi no estádio da universidade e a feira na área ao lado. O engarramento, pelo visto, é tradição naquelas bandas.

Confira as fotos da feira na galeria ao lado, muito artesanato e comida caseira (mas o patrocínio era do McDonald's). Já que o U2 entrou na postagem sem ser convidado, adianto que domingo tem show deles de graça para boa parte do mundo, inclusive aí no Brasil. É o show de Los Angeles que terá transmissão ao vivo pelo youtube, na madrugada de domingo para segunda, às 01h30 de Brasília e 00h30 de Salvador. Clique aqui para ir direto para a página especial montada para a transmissão, and have fun!!!

Beijos e saudades,

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Bono, de novo, e com óculos


A má notícia: eu não consegui beijar o Bono. A boa? A Isa também não. E vice-versa, que toda recíproca tem seu fundinho de verdade.

E lá fomos nós para o show do U2. Esse era um dos planos meu e da Isa para nossa temporada na terra-do-esmalte-que-fica-três-meses-na-unha. Quando anunciaram a turnê eu e a Isinha corremos para descobrir o local mais próximo. Seria Atlanta, a seis horas de carro daqui. Tudo bem, dá para encarar. Quase compramos o ingresso, mas decidimos esperar um pouco para tentar achar um preço melhor em outro site que não o Ticketmaster. É uma máfia esse negócio de ingresso aqui, tudo tem que ser feito pelo Ticketmaster. Fomos à bilheteria da casa de espetáculos onde vai acontecer o show da Miley Cyrus/Hannah Montana em novembro (presente de Dia das Crianças) e os caras mandaram a gente comprar o ingresso no Ticketmaster, pode? No show do U2, por exemplo, o ingresso custava $95, mas tem de comprar pelo Ticketmaster e pagar mais $12,50 de 'taxa de conveniência'. Ora, pois, conveniência de quem?

No da Miley, fomos em carne e osso lá no Coliseum e tinha de comprar no Ticketmaster. Ou seja, pagar a tal 'taxa de conveniência'. Pior, eles nem enviaram o ingresso pelo correio, ao contrário do show do U2. No dia do show a Isa tem de apresentar o cartão bancário usado na compra eletrônica na bilheteria para receber os ingressos. Que porra de conveniência é essa?

De volta ao U2, que já estou ficando revoltado com o Ticketmaster de novo. Isso não é bom nessa fase em que me recupero de um rotavírus adquirido na semana passada. Se ficar nervoso demais posso melar a cueca. E sou eu quem lavo.

Foi sábia a decisão de não comprar as entradas para Atlanta, porque dias depois anunciaram a ampliação da turnê, que passou a incluir Raleigh, a apenas uma hora e quarenta minutos daqui.

Deu trabalho esconder tudo da Marisa, porque ela também gosta dos caras. Compramos os tíquetes em abril. Tivemos de inventar que o show era impróprio para menores de 14 anos. Mas toda vez que a gente ouvia U2 ela dizia: papai, não acredito que vai ter um show do U2 aqui e você vai perder. Eu dizia que o show era num sábado, e eu sempre trabalho aos sábados. De fato, no sábado do show eu trabalhei até às 15h00, o concerto era as 19h00. Isa e Florzinha me buscaram no Wal e seguimos viagem. Passamos rapidamente no hotel, para tirar o cheiro de leite do corpo e dar o ingresso de presente à Pequena (confira o momento exato na mensagem anterior), e já antes das 18h00 estávamos no engarrafamento rumo ao estádio.

O trânsito parado. O ponteiro andando. A galera começou a jogar o carro no mato e seguir a pé. E eu nervoso. Só faltava essa, perder o terceiro show do U2, mas agora com o ingresso na mão. E tome gente passando nosso carro a pé. Até um mendigo - aqui os mentigos usam plaquinhas e ficam quietinhos, é você que tem de ir até ele - que estava uns três quilômetros atrás passou a gente. E eu nervosíssimo já, mas estou de carona e como convidado, então fico calado. Quando faltavam 15 minutos para começar o show, a Isa pergunta: será que a gente deixa o carro por aqui? Corre o risco de ser multado. Caramba, Isinha, pensei que você nunca ia vislumbrar essa possibilidade, eu já tilha largado esse carro meia hora atrás!

Seguimos andando. Caminhando e cantando, como diz a canção. Chegamos pelo lado errado do estádio e tivemos de dar a volta inteirinha nele. Vinte minutos depois das sete estávamos acomodados. Antes do U2 tocou o Muse. Conheçe? Nem eu. Nem a Isa. Mas a Marisa conhece e ainda cantou. Só que encheu o saco: tá bom de Muse, né? Eu vim aqui para ver o U2! Nunca duvide do rock que corre nas veias de uma moleca de 11 anos. Ela ficou revoltada porque não sabia todas as letras do disco novo, No Line on the Horizon.

O show foi fantástico. Teve até lua cheia e música incidental só para ela. Literalmente, sem palavras. Então, vou pular essa parte e finalizar com dois breves causus. O primeiro deles é que compramos um ingresso caro para ficarmos calmamente e confortavelmente sentados por causa da Marisa, já que seria o primeiro mega-show da Pequena e não queria que ela se assustasse ou fosse pisoteada em meio à multidão. Pois sim, quanto tocou Elevation, a música preferida da guria, ela olha para o povo lá embaixo e diz: olha lá, todo mundo pulando, lá no chão é muito mais animado do que aqui em cima... E eu doido para estar lá também, e custaria um terço do preço que pagamos para ficar onde estávamos. Nunca duvide do rock em veias juvenis.

E, por fim, esses óculos que você vê na foto. Iguaizinhos aos do Bono. A Isa me deu no dia do show. Devem ter custado os olhos da cara. Estavam enrolados na camiseta com a foto do Bono, que ela também me deu de presente. Tudo isso para irmos ao show do U2, para vermos o Bono cantar e fazer o seu politicamente correto discurso. O show rolando, a Isa olha a camiseta, sobe o olhar para os óculos e começa a me beijar. Eu na minha, curtindo o show. Ela olha a imagem do Bono no telão do tamanho do nosso apartamento, olha de novo a foto do Bono na camiseta, olha para mim com os óculos do Bono e me lasca outro beijo.

Acho que só eu não beijei o Bono naquela noite. Eu era mais feliz quando Bono era apenas um biscoito reacheado que a pré-diabetes me impedia de comer.

Beijos e saudades,

domingo, 4 de outubro de 2009

U2: Momento Mastercard

INGRESSOS: 320 dólares
HOTEL: 61 dólares
CAMISETAS: 20 dólares
COMBUSTÍVEL: 17 dólares
POSTER: 10 dólares
ALIMENTAÇÃO: 40 dólares
CHORO DE FELICIDADE: não tem preço
FAZER TUDO ISSO ÀS CUSTAS DA MULHER: !!!!!!!!!!!!!


sábado, 3 de outubro de 2009

O beijo no Bono


Estamos em viagem. Estou no carro neste momento. A Isa dirige, a Marisa ouve música em seu MP3, apesar de haver som no carro. É a pré-adolescência que invadiu nossas vidas. Vamos a Raleigh, capital da Carolina do Norte. Hoje tem show do U2 e eu finalmente vou conseguir ir.

Foi preciso viajar mais de 10 mil quilômetros para finalmente estar em meio à multidão num show desses caras. Nas duas apresentações no Brasil não deu certo para mim. A primeira delas foi em fevereiro de 1998. A Isa estava gravida de oito meses e insistia para que eu fosse. E eu estava empolgadíssimo, vi ingresso, passagem, hotel em Sampa e tudo mais. E fiz tudo sozinho, que naquela época eu não dependia dela financeiramente, como agora. Na hora de fechar o pacote bateu a dúvida: e se a Marisa nasce enquanto eu estiver no show? Eu não fui, Marisa também não nasceu. Aguardou mais uns dias e pousou em 29 de março. Mas ao menos eu escapei de criar um trauma na menina antes mesmo do nascimento. E aí Marisa, o que seus pais contam do seu nascimento. Minha mãe lembrar de estar sozinha no hospital; meu pai não lembra de nada, porque preferiu ir a um show.

No segundo, creio que em 2006 (nenhum filho meu nasceu perto do segundo show, então, não lebmbro com clareza), compromissos profissionais me fizeram dar o segundo bolo no quarteto de Dublin. Mas agora vai. E vai ser melhor ainda, porque a Isa e a Florzinha também vão. Aliás, a Marisa nem sabe ainda. Inventamos uma mentirinha de que iríamos a uma festa na casa de uma amiga da Isa. Quero só ver a cara dela na hora que chegarmos ao show.

Não sei se alguém lembra, mas no segundo show no Brasil houve um pequena polêmica porque o Bono chamou uma moça ao palco e lascou um beijo nela. Ou foi o contrário, realmente não lembro. É mais provável que ele tenha sido passivo. O fato é que a jovem era casada e foi a novela sobre a 'traição'.

Pois sim, a Isa está jurando que vai beijar o Bono também. Os ingressos foram comprados em abril e eu passei seis meses ouvindo isso: vou beijar o Bono. Eu realmente não me oponho e até incentivei. Só digo uma coisa: ela vai ter de chegar nele antes de mim!

Beijos e saudades,

imagem: www.musica.terra.com.br

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Sobre carros, policiais e loucos


Hoje é o Dia Mundial sem Carro. Claro, ninguém sequer ouviu falar nos Estados Unidos. Dei uma zapeada nos sites de notícia e nada. Para não dizer que o meio ambiente está completamente fora das manchetes, há referências ao encontro sobre mudança climática, que acontece em Nova Iorque e do qual participa o hiper, o super, o mega, o power, o Obama.

Mesmo que a terra-do-carro-que-faz-5-quilômetros-por-litro, ao contrário de boa parte da Europa e - espero! - do Brasil, não comemore o Dia, eu e Marisa resolvemos largar o veículo na garagem. A Isa, coitada, ficou de fora porque trabalha a 40 quilômetros de casa e aqui simplesmente não há transporte público. Ou você tem carro, ou tem carro. De fato, todo mundo tem carro. Até os homeless que pedem esmola nos semáforos de Greensboro, a cidade grande perto daqui, entram no seu Nissan ou Honda e vão para casa no fim do expediente. Para mim ficou mais fácil, porque hoje estou de folga do mercado do Wal e só tenho de levar e buscar a Florzinha na escola.

O colégio fica a 15 minutos de caminhada daqui. Daria, tranquilamente, para a Pequena ir e voltar sozinha, mas faço questão de levar e buscar. Não é por medo de assalto ou algo assim, porque aqui o que não falta é policial. Deve ter uns três policiais para cada bandido por aqui. Parece que eles nascem em árvore. Achar um cana é fácil. Não, não procure um posto policial. Eles, aliás, sequer existem. Os policiais estão sempre na rua, disfaçados de postes ou em carros caracterizados ou não. A melhor forma de encontrar um policial é ultrapassar da velocidade limite.

Duas semanas atrás estava atrasado para o trabalho e trafegava a 75 milhas por hora numa pista de 65. Há uma tolerância de cinco pontos, então, eu poderia estar a 70 mph. Ainda sobravam cinco milhas, mas resolvi ariscar. Dito e feito, tinha um carro da polícia estacionado no acostamento. Pensei, fudeu, vou acabar preso, eu e meu inglês. O carro saiu do meio-fio e colou na minha traseira. Como ele não ligou aquelas luzinhas, eu reduzi a velocidade e fui adiante. Pois o cara me segui por dez minutos até o estacionamento do Wal. E parou atrás de mim. Bonito, vou ser preso na frente de todos os colegas de trabalho. Mas quando eu sai do carro, de uniforme e crachá, o policial, muito educadamente, me desejou um bom dia de labuta e foi embora. Valeu o susto, porque agora só ando no limite certinho.

Então, não me preocupa que Marisa seja assaltada no trajeto casa-escola-casa. Tenho, sim, medo dos loucos. Este é um país de loucos. Loucos, loucos mesmo, daqueles que parecem normalíssimos, mas no íntimo sequestram e matam só para fazer algo diferente. O Discovery é meu canal de TV preferido e lá, além do Haunting, há um programa chamado The FBI Files. É examente sobre os loucos que são presos semanalmente. Gente normal, que te dá bom dia no Wal e depois vai caçar uns humanos porque a temporada de veados só reabre no próximo ano. Há três meses, o programa mostrou o caso de um vizinho nosso aqui de Asheboro que matou não sei quantas mulheres. Ele era caminhoneiro e, aporrinhado das pistas quádruplas e da falta de buracos nas estradas norte-americanas, resolveu sequestrar e estuprar mulheres pela Carolina do Norte e estados vizinhos. Depois de satisfeito, ele as deitava numa das saídas de rodovia e passava o caminhão por cima. E ainda dava ré.

Pois sim, o problema do Dia Mundial sem Carro é que justamente hoje eu tinha combinado de almoçar com a Florzinha na escola. Ou seja, eu andei meia hora para levá-la às 08h00, mais meia hora para ir almoçar às 11h20 e outros 30 minutos para buscá-la às 15h30. Uma hora e meia andando. Dia mundial sem carro e sem barriga.

Beijos e saudades, até dos engarrafamentos na Estrutural e na Paralela, além dos jegues no trânsito de Feira de Santana.

Imagem: www.conorclarke.net

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O dente vai bem, mas o bolso...


Acabo de ir ao dentista.

Foi, na verdade, a segunda vez. Há cerca de dois meses estive lá para fazer uma limpeza. E fui sozinho. Eu e meu inglês. Até que sobrevivemos bem, conseguimos dizer não a todos os tratamentos revolucionários que nos ofereceram e me ative, com o inglês ao meu lado, de boca aberta e bolso vazio, exatamente à limpeza, que era gratuita, conforme reza o contrado do seguro dentário que a Isa me deu de presente. E ainda ganhei uma escova elétrica, uma pasta de dentes, ou dentifrício, como diria Nelson Rodrigues, e um fio dental revolucionário, que não solta tiras, não tem cheiro e nem deforma. Você usa e ele fica do mesmo jeitinho. Vi o preço no mercado do Wal. Precisaria trabalhar duas horas e 14 minutos para pagar um rolo de 20 metros. Passei a usar o mesmo pedaço no almoço e no jantar. Mas guardo numa caixinha esterilizada, que higiene vem em primeiro lugar.

E foi esta primeira ida ao dentista que me abriu os olhos para a banguela dos norte-americanos. Um colega do Wal tinha pedido para que eu o substituísse e respondi que não poderia porque, na manhã em questão, tinha consulta no dentista. A pergunta dele me intrigou: "e você tem dinheiro para ir ao dentista?". Eu fiquei sem graça e pensei em dizer que meu irmão era dentista, mas depois lembrei que o dr. Téo está a mais de 10 mil quilômetros de distância e não colaria. Daí, mais constrangido ainda, eu confessei: eu vivo às custas da minha mulher, é ela que paga as contas e ainda me deu um seguro dentário de presente. Nem de rufião particular posso ser acusado, porque em troca a ela basta escrever no blog. É por isso que postei sexta-feira e hoje, tenho de mostrar serviço em casa, tenho de chegar junto, comparecer.

Ela tem dinheiro, eu não. Mas tenho dentes, e um deles começou a me incomodar. Sabe aquela dor que não é dor? Só um leve incômodo. Vez ou outra, quando mastigo, ele dá sinal de vida. Começou há umas quatro semanas, depois passou, voltou, passou e voltou de novo. E eu quito, bico fechado. É que seguro dentário reduz a conta, mas você ainda paga. Depois pensei, quando mais tempo passa, pode ficar pior e mais caro. Confessei a quase-dor e a Isa marcou a consulta.

A clínica é ultra moderna, parece consultório espacial, cheio de equipamentos, computadores, telas. Tudo do bom e do melhor para torturas coletivas e a minha em particular. Foi quando já estava na cadeira com babador e tudo que me veio o dilema: e se doer? Ter irmão dentista é essencial nestas horas, sempre abri a boca sem medo, agora estou aqui de boca aberta para um gringo. Uma gringa, na verdade. É que o dentista em si é uma espécie de Deus e há o risco de você sequer ser atendido por ele durante a consulta ou mesmo tratamento. A limpeza de há dois meses, por exemplo, foi toda feita por uma das moças. São cinco consultórios na clínica e apenas um dentista. As moças fazem tudo, tudo mesmo, até pôr o amálgama. Ele desce do trono, dá um OK e volta para uma salinha secreta. Ninguém sabe o que acontece na sala do dentista.

Pois sim, para resumir: meu dente está bem, o próprio dentista conferiu, depois da mocinha, e disse que nada há. Não foi preciso broca ou qualquer outro aparelho ultra-pós-moderno. Aliás, a mocinha bateu um raio-X, mas nem precisou revelar, porque agora a imagem aparece direto na dela do computador. A Kodak vai falir. E a garantia de que nada há me custou (ou à Isa) 30 dólares. E isso com o seguro. Sem o seguro? Separe 97 verdinhas, ou quase 200 reais. Um amigo nosso teve de fazer um canal. Quatro mil dólares! Mas ele tinha seguro (não sei se a Isa deu para ele também) e pagou apenas 800. Desconheço o preço de um canal no Brasil - ter irmão dentista tem diversas vantagens, mas dúvido que chege aos cerca de oito mil reais daqui.

Se eu tiver que fazer um canal na terra-do-dentista-fantasma, sai mais em conta comprar passagem e ir ao consultório do dr. Téo. Agora eu entendo não só porque meu Wal-friend perguntou se eu tinha dinheiro para ir ao dentista como também porque há tanto gringo sem dente por estas bandas da verdadeira América.

Beijos e saudades,

Imagem: www.blogdaries.blogspot.com

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A pedidos



Eu disse ‘a pedidos’, mas o título correto seria ‘de ordem’.

Escreva no blog.

Escreva no blog.

Esta foi a última coisa que a Isa me disse ontem à noite. Na cama. Se fosse no café da manhã, tudo bem, o comentário entrava pelo canal auditivo direito, ecoaria no vácuo em que o mestrado transformou a massa cinzenta e sairia, lépido e livre, pela orelha esquerda. Mas foi na cama.

Quem é ou foi casado – e hoje é melhor usar outro verbo e dizer apenas ‘estou’ casado, porque o casamento virou condição temporária – sabe que ninguém fala besteira na cama. Ou melhor, as besteiras que se dizem na cama são as mais importantes, porque sem elas não há casamento que dure. No duro. E sem o duro, ah, meu amigo, sem ele o casamento é duríssmo, é o mesmo que morar com a mãe aos 40. Pior, porque mãe que é mãe sabe fazer sopa de feijão e nunca tem dor de cabeça.

Podia ter sido em um dos vários telefonemas que trocamos durante o dia. Nestas horas a gente fala de coisas rotineiras, lembra de uma conta a pagar (essa parte é mais monólogo, porque eu estou aqui a convite e passeio, portanto, não tenho qualquer conta a pagar), recorda que esqueceu mais um aniversário de alguém querido no Brasil, discute a última da Marisa, ou até planeja o que vai fazer para o jantar. Aliás, sobre jantar, aqui eles não cozinham ou preparam o jantar. Eles ‘fix’ o jantar. Um amigo do Wal, também casado, de vez em quando comenta o que jantou: ontem à noite a gente fixed macarrão. Coitado, a esposa cozinha tão mal que ele tem de consertar depois.

Mas também não foi no jantar que a Isa pediu para blogar algo. Foi na cama. E bem naquelas horas, sabe? Tem mulher que fala de tudo nestas horas, grita adjetivos absurdos, inventa metáforas desconsertantes, ameaça te matar, diz palavrões que deixariam enrubecidos Boccaccio (a fama é injusta), Nelson Rodrigues (na verdade, um reacionário assumido) e Carlos Zéfiro (esse sim um mestre da sacanagem). A minha fala: escreva no blog.

Tá imaginando a cena? Por favor, faça a reconstituição mental. Você lá bem naquela hora, a coisa quase acontecendo, o sangue descendo, você suado, jurando que está mandando muito bem, seus escrotinhos trabalhando a mil para fazer uma boa entrega, e a sua esposa grita: escreva no blog, escreva no blooooooog!!!!

Escreva no blog? Tá (me) gozando? Isso é coisa que se diga na cama? Claro, não preguei o olho a noite toda. E tenho de trabalhar daqui a três horas. Antes disso preciso terminar um dos apêndices da dissertação do mestrado, um trechinho de nada que está empacado há vários dias. E ainda tenho de lavar o banheiro, além da louça do jantar e café da manhã. Mas isso é pouco. Virou bobagem, querela pequena, de menos. Aliás, tudo isso agora é nada, porque a constatação é cabal e definitiva: ela tem mais prazer me lendo do que me comendo.

Alguém tem uma boa indicação de terapeuta na Carolina do Norte? Em último caso, vale até o telefone do Boston Medical Group mais próximo.

Beijos e saudades. Vou à CVS Pharmacy tentar comprar viagra sem a receita.

Imagem: Zéfiro, disponível em www.lambiek.net/artists/z/zefiro_carlos.htm

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Marisa P., Sixth Grader, e o pão de queijo


E lá se foi a Florzinha para o primeiro dia na middle school. Marisa P., Sixth Grader. Junie B., First Grader. Já leu? Vale o riso. São não sei quantos títulos na série, tem tradução em português. Texto de Barbara Park e ilustração de Denise Brunkus. São as aventuras de uma menininha de seis anos no primeiro ano escolar.

Aqui em casa há diversos deles. Embora seja agora uma Sixth Grader a Florzinha mantém a paixão pela Junie B. Jones. B. é a abreviatura de Beatriz, mas ela não gosta do segundo nome e se apresenta apenas como Junie B. O melhor de todos os livros é o Junie B.'s Essential Survival Guide to School. Diz a Junie B. que um bando de gente vai te dar ordens na escola, mas a mais importante delas é a/o principal, a palavra inglesa para diretor. Numa tradução livre (eu sempre quis usar essa expressão!) e incompleta (para manter a força do original): "O principal vive sozinho em uma salinha chamada the office. Eu não acredito que seja bom viver sozinho naquela salinha. Isso pode fazer você ficar louco. Okay, here is the thing: No one actually knows what principal does".

Um belo dia a mãe da Junie B. decidiu que ela iria para a escola no carpool. Junie amou a idéia, pôs biquini e levou toalha na mochila. Ficou muito decepcionada quando a mãe de uma coleguinha chegou para buscá-la, já com outras três crianças no banco de trás e, vejam que absurdo, num carro que não tinha a piscina prometida no nome.

De volta à Marisa P. Desde que voltou das férias no Brasil, há dez dias, a Pequena não fala de outra coisa. Aliás, antes disso até, nas conversas pelo skype, ela sempre perguntava se o material escolar estava comprado e planejava como faria as capas dos cadernos. O amor que a jovem demonstra pela escola, às vezes, me faz duvidar da paternidade. Eu, que fugia da escola e quando painho viajava enrolava mainha com uma dorzinha de barriga para ficar em casa por até três dias consecutivos, tenho uma filha que ama o colégio.

Lembro de uma cena engraçadíssima no pré-primario. Na Bahia a gente chamava de pré. E professora era pró. Para que falar uma palavra inteira se você pode usar só a primeira sílaba? Pois sim. Painho foi trabalhar e eu dei o velho golpe (aliás, certamente um dos primeiros, porque eu tinha apenas cinco ou seis anos): mainha, tô com uma dorzinha na barriga, posso ficar em casa? Dona Nilma, que nunca demonstrou muito amor às letras - ao contrário de seu Fernando, liberou. O esquema era simples, mas extremamente eficiente. Uuma dorzinha na barriga ou na garganta, você fica na cama por uma horinha de relógio, corre o risco de tomar um luftal ou AAS infantil e mexe o cavalo para o xeque-mate: mainha, tô um pouquinho melhor, posso ficar lá fora? Pronto, camarada você ganhou a manhã vagabundando pelas ruas em Feira de Santana.

Naquele exato dia eu só não contava que seu Fernando tivesse esquecido algo em casa e me encontrasse doente na cama. Que doente que nada, põe logo a farda (farda para mim é coisa de militar, por isso que eu não gostava de estudar) que eu vou te deixar na escola agora. Já fui chorando no carro. A imagem que me vem: a pró do pré rodopiando em um pé só, segurando a outra canela com a mão, o outro braço erguido para dar equilíbrio e dizendo, seu Fernando, ele não está bem hoje não, é melhor levar para casa, pode deixar, pode deixar! Naquela época eu usava bota ortopédica, uma arma mortal quando usada corretamente. Essa pró sofreu na minha mão, ou no meu pé, para ser literal. Na hora do recreio eu me escondia entre os pneus e todo pessoal da escola tinha de me achar. Foi na cadeira dela que eu também coloquei uma tachinha, mas que, para sorte da pró e do meu futuro, ficou fixada na costura mais larga que divide a bunda ao meio no jeans.

Pensando bem, não deve ter sido no pré que eu fiz isso. Seria muito precoce. Mas foi na quarta série, com certeza, que eu coloquei super bonder na cadeira da pró Vera. Não deu muito certo, porque rasgou só a blusa e o plano era deixar a bunda de fora. Até hoje procuram o culpado. Será que a pró Vera ainda está viva? Ficam a confissão pública e o pedido de desculpas.

Marisa P., Sixth Grader. Acordei às cinco da manhã para fazer pão de queijo fresquinho para o primeiro dia de aula. Todo sacrifício é pouco para alguém com o meu histórico escolar que tem a chance de redenção em uma filha CDF. Marisa olha para a mesa e pergunta: para que esse tanto de pão de queijo?

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

No ar

Momento singular: Neste exato momento estão Isa e Marisa voando. Marisa está em algum lugar entre Rio e Miami. Isa, no trecho Charlotte Miami. E eu tão sem norte como sempre na ausência delas.

Cá estou no apartamento que nos abriga na temporada estadunidense, com um gato-de-que-sequer-gosto no colo. Não chamei, ele veio.

Se tivesse Twitter, a mensagem caberia lá. É só para dividir a angústia.

M!

PS: O gato acaba de adormecer no espaço entre minha barriga e o computador.

domingo, 9 de agosto de 2009

MJ e o o recorde de JC



Lá se vão mais de 40 dias desde a última postagem.

Mas há um motivo. Eu estava aguardando. Primeiro eu achei que aquele disse-me-disse internacional de multiplas proporções nos sites de notícia em 26 de junho fosse um golpe publicitário para a grande volta de Michael Jackson aos palcos. Depois pensei que fosse essa mania de Guinness que domina o mundo. Todo mundo quer entrar no Guinness. Ontem a Isa leu para mim a notícia de um cara na China que fez um vestido com dois quilômetros de véu para a noiva. Para quê? Para entrar no Guiness.

Como me dei férias parcial do mestrado hoje (duas horas sem pensar em estudos), acabo de entrar no site do Guinness (vá lá). Tem cada maluquice... Tem um cara na França que tem o recorde da "strangest diet". Ele pode comer até 900 gramas de metal por dia que umas substâncias em seu estômago digerem tudo. O recorde de dieta mais estranha é do francês desde 1959. Olha a chance aí, quem se habilita? Mas lembre: quem come prego...

Até eu posso entrar no Guinness, afinal não é comum alguém passar dois anos em férias, como cá estou na terra-da-TV-de-72-polegadas. Por falar em férias, acabo de descobrir uma notícia boa e outra melhor sobre meu emprego. Qual você quer primeiro? Eu tenho direito a uma semana de folga remunerada. Essa era a boa. A melhor: vou poder gozar os sete dias de pernas para o ar quando completar dois anos de trabalho.

De volta ao Maico Jeca, como diria o Maurício de Souza, depois do Didi. Eu tinha a certeza de que ele estava apenas querendo entrar no Guinness. Pela minha teoria, MJ estaria tentando bater o recorde de JC, que ressuscitou no terceiro dia. Pois o terceiro dia passou, assim como o quarto, quinto, sexto. Agora, que até a missa de trigéssimo dia ficou para trás, sou obrigado a confirmar: Michael Jackson está morto. Ou virou glitter.

Depois desta confirmação, posso retomar minha vida, que inclui postar ao menos uma vez por semana no Oraite. Aliás, aproveito para dar um aviso: prefiro ser cremado. No fogão à lenha, por favor. E joguem minhas cinzas no sistema de ventilação do call center do Visa.

Beijos e saudades,

Imagem: artshopping.com.br

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Farah Jackson ou Michael Fawcett


Eu acordei, o Michael não.

E nem vai. É verdade, morreu mesmo. Confesso que pensei na possibilidade de um golpe publicitário para promover o maior retorno ao palco da história, algo grandioso, mega, hiper, super. Bem ao estilo dele.

Estava eu escrevendo um paper do mestrado numa sala de espera fedendo a mijo na universidade da Isa. Parêntese explicativo. O que fazia eu numa-sala-de-espera-fedendo-a-mijo-na-universidade-da-Isa? Meu carro quebrou, vivo de carona agora. Está aquecendo - o carro, não eu. Mecânico diz que estragou um fiozinho escondido entre o painel e o motor. US$ 70 o fiozinho. Ufa, eu posso pagar. US$ 500 para desmontar o painel. Ladrão, foi o primeiro pensamento, e eu fazendo mestrado...

Não tenho US$ 570, a Isa tem. Pesquisa de internet. Antes Jesus era a resposta, agora o Google tem a resposta (antes que eu provoque outro cisma entre primos, digo aos cristãos em geral e aos católicos em específico que a frase é da Isa. Pedra nela, povo, pedra nela!). Diagnóstico do mecânico correto. Preço do fio varia de US$ 50 a US$ 90. Mão-de-obra de US$ 500 a US$ 800. Oba, um site ensina tim-tim-por-tim-tim como desmontar e montar o painel. Tempo estimado do serviço para quem tem noções de mecânica: oito horas. Sem tirar. Moleza, vou fazer essa porra, aquele feirense de Asheboro tá achando que o dinheiro da minha esposa é capim? Isa: "pago US$ 1,000 para você fazer tudo certo. Se der errado, eu nunca mais cozinho". Nunca alguém recebeu US$ 500 tão merecidos como o feirense de Asheboro. E fecha parêntese.

De volta à sala de espera. Alguém mija naquelas plantas de plástico, só pode ser. Nada pode feder tanto. Ou então o carpete foi instalado em 1838, quando a universidade foi inaugurada. Ao menos o ar-condicionado funciona, 30 graus lá fora. E aquecendo - agora eu, não o carro, que está no mecânico e fica pronto esta tarde. Eu escrevendo um texto sobre uso de tecnologia em sala de aula e ouvindo a Jovem Pan. A CBN não transmitiu o Brasil e África do Sul (eu juro que ainda vou postar sobre minha relação com o futebol). Anuncia o Nelo Rodolfo: o site da Folha está dando que Michael Jackson morreu. As navegações e desinformações entre sites dos Estados Unidos, Inglaterra e Brasil nas duas horas seguintes eu guardo para dividir nas aulas de jornalismo quando voltar. Se é que ainda vai existir faculdade de jornalismo.

O engraçado é que há poucos dias estávamos em casa vendo o DVD que comemora os 25 anos de Thriller. A Isa queria mostrar para a Marisa a dança maluca que ela sempre vê no filme "De repente 30". A Florzinha ama o filme, é sobre uma menina de 13 nos anos 80 que acorda com 30. Numa das cenas toca Thriller numa boate e a guria ensina a dança para todo mundo. Quem já viu Thriller pode prever que a história não ia dar certo e a Marisa passou três dias dormindo na nossa cama. E o gato. E também as netas de pelúcia Farbulous e Milky. Chute e cotovelada noite a dentro.

Fiquei com pena mesmo foi da Farah Fawcett. Certamente foi muito mal assessorada, que péssimo dia para morrer.

Beijos e saudades,

Imagem: cinecartaz.publico.pt

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Novo endereço




Olá pessoas!

Esta é a primeira postagem no novo endereço. É, mudamos, foi um corre-corre, explico já (já não quer dizer hoje, tá?). Anote aí e mande uma carta:

24-B Kingsway Road
Asheboro, NC
USA
27203

Neste exato momento Isa, Marisa e o Gato dormem no sofá diante de mim. Não fosse eu baiano, levantaria para pegar a máquina fotográfica e postar a imagem, mas dá uma canseira... E ainda tem o risco de a bateria estar descarregada, o que me faria levantar e dar quatro passos por nada.

Estávamos os três (o Gato dormiu o tempo inteiro) vendo o Brasil jogar contra o Paraguai. Só a saudade mesmo para me fazer ficar pacientemente diante de uma tela vendo um bando de caras correndo atrás de uma bola. Mas até que valeu a perda de templo, afinal, ganhamos e estamos em primeiro nas eliminatórias.

Há aqui no nosso condomínios, mudamos de um prédio para o outro no mesmo complexo, uma pequena comunidade de latinos afixionados por futebol. São todos maridos de professoras que estão aqui pelo VIF, o mesmo programa que trouxe a Isa, e a mim na mala, ou como mala - não sei ao certo. São dois chilenos, um panamenho, um argentino e um colombiano.

Como a Isa mudou para cá nove meses antes de mim, todas esperavam com ansiedade a chegada do 'brasileiro'. Ao que parece, o Brasil é respeitado no mundo do futebol e todos esperavam a minha vinda. Eu não sei como descrever a decepção do grupo com a minha não paixão por futebol.

Lembro claramente das expressões deles no nosso primeiro contato. A Isa, pouco antes e muito educadamente, avisou que eu não entendia muito de futebol - o que já é uma licença poética, porque não consigo até hoje entender porque um jogador não pode ficar ao lado do goleiro esperando a bola, é o melhor lugar para fazer o gol. Um chileno, desavisado, comentou com o argentino: 'o marido da Isa está aqui?' E eu ouvindo ao fundo. 'Tá, tá sim, mas ele não gosta de futebol...' Como assim não gosta de futebol? Ele é ou não é brasileiro?'.

O que ficou de tudo isso? Isolamento. Os caras se reúnem para ver todos os jogos juntos, um deles tem todos os canais de esportes do planeta na TV a cabo. Pô, eu não sou afixionado por futebol, mas gosto de uma cervejinha de vez em quando e de cochilar no sofá.

Beijos, saudades e uma seleção comandada por um elefante de orelhas gigantes só podia voar longe.

Imagem: eupodiatamatando.com

quarta-feira, 3 de junho de 2009

Opa, agora é comigo



E depois de criar a Governmental Motors, a maior estatal da indústria automobilística, Barackão pode assumir o controle de outro mega-negócio, o Wal-Bama.

Não sei se a idéia já circula pela cabeça do criador da expressão O Cara, mas aqui nesse mundinho da Carolina do Norte a coisa começa a apertar e sou capaz de dar a sugestão para o mega-power-hiper-porreta-presidente. Desde novembro, quando comecei a trabalhar no mercado do Walter, tenho 32 horas semanais de labuta. Tinha. Semana passada, quando colocaram a escala no mural, eu estava com apenas 28 . Eu trabalho quatro dias por semana, oito horas em cada um deles, perdi uma.

A explicação é de que o corte foi geral no Wal-Mart, todos os funcionários perderam uma hora diária de trabalho por conta da crise, e a redução vai durar o menor tempo possível. Você tem noção do que isso significa? O Wal tem mais de dois milhões de funcionários. É como se toda a população de Curitiba fosse, como eu, funcionária do supermercado. Vão ser milhões de dólares fora da economia toda semana.

Mas isso não é o pior, porque o meu salário sequer existe no orçamento doméstico. Vai integralmente para pagar o mestrado. Melhor, parte dele, porque é tão pouquinho que tenho de complementar bem mais do que a metade das mensalidades com as verdinhas da minha quase extinta poupança. Para pagar o mestrado a Isa não libera a poupança dela, então, tive de trabalhar.

O que eu quero mesmo dizer é o que aconteceu ontem. Fui mandado embora. Calma, também não fui demitido. Ainda. O fato é que eu, aliás, todos os funcionários da minha loja foram 'convidados' a encerrar seus turnos mais cedo. O Walter faz monitoramento instantâneo das vendas. Começamos o dia 12% abaixo da média, mas a situação foi piorando. Lá pelas quatro da tarde a queda nas vendas bateu 20% e os gerentes começaram a buscar voluntário: 'gente, quem quer ir embora mais cedo?". Do jeito que caminham as coisas aqui - tudo está subindo de preço, ninguém pôs o pescoço no laço. Menos horas trabalhadas, cheque menor na quinta-feira.

Meia hora depois, a confirmação: todos tinham de reduzir a carga horária do dia porque as vendas continuavam caindo. A lógica da decisão: menaaaaaas vendas, menor a necessidade de gente para pôr mercadoria na prateleira, não há porque manter funcionários na local. Pegue seu boné e vá para casa, porque a gente precisa reduzir a despesa.

Na equipe em que eu estava trabalhando ontem - éramos seis (ainda existe a coleção Vaga-Lume? Que saudade...) - todos tinham de ir embora duas horas mais cedo e um deveria ser voluntário para abrir mão de três horas de trabalho. Aquela consternação geral. Como o pessoal lá é pai de família e o silêncio sepulcral me atormenta, resolvi me oferecer para perder uma hora a mais, já que aqui sou na verdade dono de casa. Eu trabalharia até 10 da noite, fique até sete.

Isso tudo para chegar ao ponto real: o terror de todo homem casado.

Meu Deus, vou embora mais cedo?!?!?!? Chegar em casa com antecedência e sem avisar é um risco para qualquer casamento. Pode confessar, não há quem rode a fechadura do apartamento duas, três horas antes do horário previsto sem o, digamos, ânus na mão. Que cena me espera do outro lado desta porta?

É por isso que eu nunca chego sem avisar. Sou daqueles que prefere não saber. Há maridos que se sentem ridicularizados quando descobrem, porque foram efetivamente os últimos a saber. Pois eu não quero ser o útlimo a saber, eu quero simplesmente nunca saber. Se você sabe, por favor, guarde para você. Amigo que é amigo nunca conta. A ignorância é o segredo do casamento. Pode ir atrás dessas relações que duram apenas três, quatro anos. Lá tinha um marido que queria saber de tudo, investigou demais. Eu não sei de nada e estou casado e feliz há quase 15. Pelamordedeus, não me conte.

Sete horas, tenho de bater o cartão e voltar mais cedo. Começo a dirigir para casa, chego lá em 15 minutos, é tempo mais do que suficiente para impedir o flagrante. Bato o telefone para a Isa. Antes, aliás, peço licença ao Nelson Rodrigues para bater o telefone. A frase do senhor das minhas perdições é perfeita: bateu o telefone para casa.

Bato o telefone para a Isa. Secretária eletrônica. Mau sinal (sem trocadilho, o celular operava perfeitamente). E eu dirigindo. Já andei duas milhas, só faltam nove. Ligo de novo, desligado. Piorou. Puta merda, terceiro semáforo aberto logo hoje, vou chegar ainda mais cedo. Telefono mais uma vez. Só faltam três milhas, menos de cinco minutos. E nada. Chego ao condomínio, o carro da Isa está diante do prédio. E nada de atender o telefone. Luz do quarto acesa, dá para ver pela persiana. Demais para mim. Nem parei, passei direto pelo estacionamento e fiz o retorno. De volta ao Wal-Mart, fazer logo as compras do mês. Pronto, emprego e casamento salvos.

Beijos e saudades,

imagem: hpp.ajato.com.br

segunda-feira, 1 de junho de 2009

Meu primeiro Valisère



Fui pego de surpresa.

Abro a secadora de roupas e dou de cara com um sutiã. Normal, eu sou o encarregado oficial de toda a roupa suja e a Isinha as produz aos montes. Pelamordedeus, quem usa calça jeans só uma vez além da minha esposa? Eu uso duas, três, quatro, cinco, até o dia em que fica difícil tirar do corpo porque ela adquiriu uma consistência meio que sólida. É o famoso ponto de andar sozinha. As minhas só não andam sozinhas porque não conhecem as redondezas e muito menos falam inglês. São todas (duas) brasileiras, brasileiríssimas, da C&A.

Consulte a história do jeans e você vai descobrir que ele foi desenvolvido para trabalhadores braçais, portanto, são resistentes. Esse hábito de usar calça jeans só uma vez me revolta, um puta desperdício de água, eletricidade, sabão, amaciante. É, ainda tem de pôr amaciante, um líquidozinho azul inútil que foi criado para tirar dinheiro dos pais de família. Tudo bem, aqui é uma mãe de família, mas como eu sou o dono-de-casa-com-hífen-para-dar-importância, eu prefiro o termo do lar (eu ainda vou ter a chance de responder 'do lar' em um censo), deixo registrada a minha discordância da despesa. Se é por causa da cor, vamos de verde, compra absinto. Lavar calça jeans a cada usada é quase um crime ambiental, deviam mandar o Ibama atrás da minha esposa. Me passa o 0800 para denúncia anônima?

Abro a secadora de roupas e dou de cara com um sutiã. Embora seja normal, não é tão rotineiro. E vou entregar mesmo, não estou nem aí: embora ela ponha o jeans para lavagem após vesti-lo por apenas cinco, seis horas e olhe lá, o mesmo zelo não acontece com o sutiã. "Pode usar duas, três vezes sim". Eu fiquei chocado. Sabe aquelas coisas que podem acabar com o relacionamento, tipo apertar pasta de dente no meio ou deixar camisinha usada na pia? Para mim, é repetir sutiã. E olha que eu inventei a meia descartável quando morava sozinho num quartinho-de-fundos-com-teto-de-eternit-mais-baixo-que-eu: comprava um pacotão no supermercado das mais vagabundas e usava por usa semana de um lado, outra semana pelo avesso e jogava fora (cada pacote dava seis meses). Mas meia a gente usa no pé e nem chulé eu tenho. Repetir sutiã? Ele fica lá em contato direto com uma zona sensível, de alto interesse anatômico e recreativo. É o fim.

Abro a secadora de roupas e dou de cara com um sutiã. Dou de cara não, ele pula da máquina. A secadora é um tremendo chupa-energia e tento ao máximo reduzir o consumo, mas é impossível não ligá-la porque não temos varal aqui. Então, encho a máquina até o tampo. A expressão certa era até o cu fazer bico, mas como o Fábio Pannunzio reproduz alguns texto do Oraite em seu blog (vá lá, aqui. Aproveite e veja a entrevista com o dr. Hosmany Ramos, o cara que, com um século de atraso, inspirou Stevenson), que é coisa de jornalista gente grande, tenho de me vigiar para não escrever palavrão. Esse cu de agora não conta, porque foi necessário. Foi, digamos, um cu explicativo. Fábio, não fique acanhado, como é no seu, se quiser pode mexer no cu antes de liberar para todo mundo, viu?

Agora vai.

Abri a secadora aborrotada até o tampo e pula uma peça branca. Com reflexo digno de goleiro do Fluminense de Feira consegui imprensá-la com o joelho. Ficou, o paninho, entre o joelho e a lavadoura de roupas, que fica debaixo da secadora, que por sua vez está acomodada sob o sabão em pó (que aqui é líquido), o amaciante e a folhinha de papel desmagnetizadora (essa eu explico na próxima roupa suja). Mas o joelho titubeou e lá foi a roupa para o chão. Bati o olho em cheio, com ele estirado por inteiro no chão: um sutiã. E não é da Isa. Como eu (ainda) não estou lavando para fora, ficou o óbvio: é da Marisa. Sou pai de alguém que usa sutiã.

Não que eu não soubesse, foi inclusive minha a idéia da compra. Se não foram abelhas, está na hora de comprar um sutiã. Eu só não estava pronto para lavá-lo.

Beijos e saudades,

imagem: www.modaeconsultoria.com.br

terça-feira, 26 de maio de 2009

Facebook, Twitter e outros



Semana passada foi recorde.

Recebi dois convites para o Twitter, quatro para o Facebook e um para aderir ao UNYK. Esse último não faço a mínima idéia do que seja.

Eu acho o máximo receber os convites. É prova de que ainda lembram de mim. Sim, porque o blog é o meio de comunicação mais falho que existe. A informação só vai, não tem feedback. Ou melhor, de vez em quando alguém põe um comentário, mas como o Oraite peca por liberdade (é aberto, sem moderação, sem contador, permite comentário anônimo) não tenho como saber quem manda a mensagem e sequer se alguém o lê. A não-resposta me consome. Fico com medo de estar perdendo tempo de estudo do mestrado para escrever aqui e ninguém ler. Mas isso é assunto para o divã da dona Isabelita. Consultas das 23h30 à meia noite. Preço a combinar. Em geral, pago em serviço (doméstico, não sexual como você pensou).

Os convites. Recebo-os todos com carinho, mas nunca aceito. O que não entendem é que eu só fisicamente estou na primeira década do século 21. Minha mente está lá, parada e pairando na década de 80. Antes até, nos anos 60. Eu tenho de confessar que até hoje não comprei a ida do homem à lua. Meu cunhado na adolescência fazia uns videozinhos com uma câmera JVC super peba tão ruins quanto aquele. De mais a mais, vê lá se Neil Armstrong é nome de astronauta? Se o Neil Armstrong tivesse participado da mítica formação que gravou Kind of Blue teria meu crédito. É uma boa alcunha para um pioneiro do Jazz, mas jamais para alguém que seria o primeiro a pisar na lua. Aliás, eu mesmo já pisei na Lua diversas vezes, sem querer, registre-se. É uma cadelinha poodle que seu Fernando e dona Nilma paparicam em um dois quartos com reversível na Nossa Senhora da Saúde. Foi comprada por mim e meu irmão há uns 15 anos. A gente queria uma poodle branca para presentear mainha. Vimos os anúncios do A Tarde e fomos até a casa da dona-me-esquece ver a ninhada. Era uma casa na Pituba, se não me engano. Na época, Pituba era em Salvador um bairro de gente honesta e distinta. Lindos todos os filhotes, mas eram meio amarelados. Dona-me-esquece, doida para se livrar dos 214 cagões, garantiu: é só a primeira penugem, depois ela vai ficar branquinha, branquinha. E está lá a Lua tão branca quanto o cavalo de Napoleão.

Eu sou fã de tecnologia, só não consigo acompanhá-la. Até entrei no Orkut uma vez. Durou uma semana. Na época eu dava aulas em faculdade e se um professor quer perder a privacidade basta oferecer uma ferramenta virtual de comunicação a alunos na casa dos 20 anos. Levei dois meses para conseguir o orkuticídio. Esse sites são ótimos para te aceitar, mas não querem te deixar sair por nada. Tecnologicamente eu estou na era do fax. Que aparelho fantástico, que invenção maravilhosa. O cara que inventou o fax tinha de ganhar o Nobel, ser nomeado Sir pela rainha, jantar com o Barackão, churrasco com o Lula, pudim de leite na casa de vovó Maria. E-mail é fácil, não existe fisicamente. Mas o fax, pense bem, o fax! Eu penso no fax e fico deslumbrado. Você manda um papel daqui e ele se materializa do outro lado. Em qualquer lado, dá para mandar um fax até para Feira de Santana, onde até hoje o gerador movido a querosene é desligado às 22h00. E você ainda fica com o original, ou seja, o fax transmite e duplica a mensagem. Para mim, parou no fax. Tudo que veio ou vier depois perdeu o sentimento de novo.

Quer me irritar? Me manda uma mensagem de texto no celular que exija uma resposta. C-A-R-A-L-H-O, como é que alguém consegue escrever no celular? O meu telefone é moderno. Tem cartão de memória, toca MP3, tira fotos com qualidade e o diabo aquático. Ganhei no dia em que desembarquei na terra-da-galinha-que-põe-ovo-em-caixa. Eu fiz curso de datilografia em máquina manual lá na Comercial Norte de Taguatinga, no Sarmento, pelamordedeus, como é que eu vou digitar mensagem em telefone? É como escrever à máquina só com dois dedos, porque com os outros você tem de segurar a Remington. Você já tentou datilografar com os dois polegares? Faça a imagem mental, porque é essa a sensação toda vez que tenho de responder a uma mensagem de texto.

Tenho aqui uma amiga alemã. Nos conhecemos no curso de inglês, que acabou no começo deste mês. Na minha turma nosso país já está no primeiro mundo. Brasil, Suécia e Alemanha formavam um trio que mais perturbava as aulas do que estudava. Ao menos éramos obrigados a falar inglês, então, objetivo cumprido. Mexicanos também se agruparam, latinos em geral formaram seu coletivo assim como os não-acidentais, exceção para os vietmanitas, que ficaram juntos em um quinto grupo. Como entrei no curso depois de 10 dias de iniciado e ainda cheguei atrasado na primeira aula, dei uma escaneada geral e percebi as panelas já montadas. Fiz a opção que me pareceu mais sensata: sentei ao lado da mulher mais bonita. Era a Alemanha de Claudia Schiffer.

O fato é que virei conselheiro da alemanzinha. Ela mal completou 20 anos e quando perguntou quantos anos eu tinha fui logo dizendo "tenho idade para ser seu pai". Pingo no i que eu sou casado e a patroa lê o Oraite. Pois sim, ela me pede dicas nas abordagens aos rapazolas daqui, mas sempre via texto de celular. Caramba. Ela me manda uma pergunta. Eu tô tentando terminar a segunda palavra da resposta, letra por letra, cada tecla tem várias opções de letras - fora os números e outros símbolos, uma novela. Chega outra mensagem. Quando eu consigo terminar uma frase inteira já tem mais quatro perguntas! Envio a resposta e, acreditem, em 30 segundos chega a resposta com mais de 20 palavras. E umas abreviações loucas que eu tive de entrar no Google para entender. Eu levei oito minutos para digitar cinco palavras... Desisto e disco para ela. Meu celular é tão moderno que até faz ligações.

Beijos e saudades,

Imagem: ufoportugal.blogspot.com

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O frentista, o médico e o Pannunzio



Olá pessoas,

Quando começei a postar no Oraite tomei a decisão de não citar terceiros, apenas o G10 - Isa, Marisa, seu Fernando, dona Nilma, Teo, Lu e Vitão, Lore, Alice e Vini. Ah, vá lá, G11, porque tem o Gato. Bom, algo que aprendi aqui na terra-da-descarga-eletrônica foi a morrer de medo de ser processado e, como entre os defeitos de um blog aberto como o Oraite, está o de ser lido por quem quiser, resolvi evitar citações a terceiros para poupar desagrados e desagravos.

É o medo de processo que faz, por exemplo, os médicos daqui cada vez mais distantes dos pacientes. O doutor faz de tudo para seque tocar nos pacientes durante as consultas - medir pressão e exames afins são feitos por enfermeiros e antes da entrada do médico, que recebe tudo na tela do computador. Se o médico precisa ver o paciente sem roupas uma enfermeira é chamada para acompanhar o procedimento. E é essa a maior revolta da Isa, frequentadora assídua de consultórios norte-americanos.

Isinha teve de desenvolver uma nova tara aqui e escolheu os médicos. A fixação oficial é frentista. Quanto a gente viaja de carro no Brasil ela não pode ver um posto que me ordena abastecer. Meu bem, mas a gente só gastou 1/4 do tanque. Não tem problema, amor, é sempre mais seguro andar com o tanque cheio.

Aqui não há frentista, os postos, como tudo, são do tipo faça você mesmo, é a sociedade do sozinho vencerei. É por isso que a Isinha sempre me pede para abastecer, mesmo quando estamos no carro dela. Lá vou eu, desco e fico com aquela mangueira enorme na mão. Só que enfiar a mangueira no tanque da Isa não é tão simples. Se ela não deixar, a portinha nem é aberta e fico eu lá com a mangueira na mão pedindo, libera o tanque, libera o tanque. Depois de meia hora fazendo doce, ele permite. Ponho a mangueira no tanque e começo a abastecer. Tá bom esse tanto? Não, não, pode pôr mais. Tem certeza? Tenho sim, vai botando, vai botando. E agora, já deu? Não, põe mais, põe tudo, enche até a tampa.

Pois sim, acontece que eu fui citado em outro blog, e sou obrigado a falar de um terceiro. Fábio Pannunzio. Exijo meu direito de resposta. Como no Brasil o Supremo revogou a Lei de Imprensa, vou fazer uso da minha prerrogativa de viver temporariamente sob o guarda-chuva da First Amendment, que me garante pleno freedom of speech. Freedom é a palavra mais sagrada do dicionário norte-americano. Eles enchem o peito para falar da 'nossa liberdade'.

Fábio achou por bem, correndo o risco de danificar a imagem pública de repórter investigativo, republicar alguns textos do Oraite em seu blog (visite: www.pannunzio.com.br). Fábio, para quem tem memória curta, é autor de belos trabalhos do jornalismo brasileiro, como localizar a Jorgina do INSS e detalhar por onde andou o PC Farias quando fugiu do Brasil. A reportagem que mais me agrada é uma da década de 90, quando Pannunzio, apurando a máfia da grilagem em Brasília, conseguiu registrar a área da Esplanda dos Ministérios para venda.

Visite o blog do Fábio aqui.

Beijos e saudades,

Imagem: pecademissaoevatrabalhar.files.wordpress.com

Feriado é dia de...



Hoje é feriado por aqui. Memorial Day. Dia de lembrar dos mortos em guerras, aqueles que "fizeram o sacrifício maior lutando pela nossa liberdade". Há também, em novembro, o Veterans Day, para aqueles que também brigaram pela "nossa liberdade" mas foram sortudos o suficiente para retornar fora do caixão.

Eu não entendia a necessidade de dois feriados para o mesmo tema até compreender que a intenção do Veterans Day é levantar o astral dos ex-combatentes. Sim, porque voltar vivo da guerra é quase um fracasso. O bom mesmo é morrer lutando pela "nossa liberdade". O sonho de todo veterano era ser comemorado no Memorial Day.

No mercado do Wal de vez em quanto me deparo com um veterano. Há dois tipos. Em um grupo estão as pessoas que geralmente se comunicam, perguntam alguma coisa e puxam papo. Normalmente estão bem vestidas e foram oficiais em alguma guerra - embora todos os veterenos que tenham me perguntado onde fica o cool whip tenham ido às vias de fato apenas com os vietnamitas. No outro grupo estão senhores quase maltrapilhos, sempre com barba por fazer, roupas por lavar e alguns adereços militares pendendo de jaquetas mais que surradas. Quase não falam e nas poucas vezes que me dirigem a palavra é para reclamar do preço. Quando percebem que sou estrangeiro, cortam o assunto e seguem adiante.

Os do primeiro grupo sempre perguntam de onde sou ou tentam advinhar - em geral chutam que sou francês ou alemão. Já fui taxado de francês três vezes e de alemão, duas. Dois deles até já estiveram no Brasil e amaram, mas ficaram assustados com a pobreza nas ruas. Ambos acompanham o Brasil de hoje e se disseram impressionado com as mudanças dos últimos 10 ou 15 anos. Um até falou 'a América precisa tomar cuidado com o Brasil'. Uma declaração de sentido duplo que, vinda de um veterano de guerra, me fez quase mijar nas calças. Vamos ser invadidos a qualquer hora.

De volta ao Memorial Day. O que fazer no feriado. Os cemitérios ficam lotados e em todos os túmulos de militares há bandeirinhas do país. Às 3 da tarde acontece um momento especial de lembrança, uma espécie de prece coletiva. Mas ir ao cemitério é apenas o plano C, na prática, como o feriado é sempre numa segunda-feira e estamos na primavera, vai todo mundo aproveitar o feriadão. Curtir o dia é o plano B.

O que realmente se faz no Memorial Day, o verdadeiro plano A, é, vejam só, compras. Sim, compras. Todos os meios de comunicação passaram a última semana bombardeando os possíveis compradores com as ofertas que vão acontecer exclusivamente neste feriado. Hoje você pode, por exemplo, comprar uma cama com 15 anos de garantia e fazer o primeiro pagamento apenas em 2011. E sem juros, viu?

A febre do consumo é tamanha que séries e mais séries de cupons são produzidos com validade exclusiva para o Memorial Day. A Isinha, claro, já tem o dela. Como já disse, os cupons te fazem escravo, você está obrigado a comprar. A Isa fez umas contas mirabolantes - eu não entendi porra nenhuma, mas ela jura que vai ser isso mesmo - e vai comprar produtos na Bath and Bady Works no valor de US$ 73, mas só vai pagar US$ 31,50 graças às promoções do dia e ao cupom do Memorial Day. Vai à loja com a lista em mãos. Vamos ter sabonetes para todos os usos e gostos, inclusive, acreditem, um específico para lavar pentelho - masculino e feminino.


Beijos e saudades,

imagem: www.soldiersperspective.us

sexta-feira, 22 de maio de 2009

Gal Tang da Silva




Como diria meu sobrinho Vitão, o gato, como o tigre, é um felino e tem galas letláteis.

Marisa que o diga.

O último arranhãozinho foi na segunda-feira. Na noite da terça Marisa tinha uma apresentação musical na escola e a Isa foi procurada por diversas mães solidárias em relação ao fogo amigo do qual a Pequena fora vítima. Parêntese gramatical. Eu sempre achei que a terceira pessoa do singular do pretérito mais-que-perfeito de Ser pede um acento diferencial, por causa do fora, que por si só já pode ser advérbio, preposição, interjeição ou substantivo, ufa! Fora é o verdadeiro cinco em um. Aliás, seis em um, porque também é pretérito mais-que-perfeito de Ir. Que beleza de língua... Vai ver agora, com a reforma, o verbo ficou fôra. O medo é a língua ter mudado tanto que eu, na volta (apenas 13 meses!!!), tenha de correr atrás da vaga para Letras na Católica, que rejeitei por também ter passado para jornalismo. Fecha parênteses.

Marisa e o gato. Vou chamá-lo apenas de gato mesmo, apesar de ele já ter tido cinco ou seis nomes. Atualmente circula com uma coleirinha metalizada com o nome Tang, o telefone da Isa e o endereço aqui de casa. Casa não, o lugar que a gente mora nos EUA. Nossa Casa é aí. Minha idéia de deixá-lo vagar pela florestinha no verão foi por água abaixo. A Marisa gostou de dar liberdade ao felino, mas pegou com a mesada a plaquinha de identificação - "para o caso de ele se perder, né? Quem achar liga para a gente a a gente vai buscar". Merda.

Marisa e o Gato. Fica como Gato mesmo, porque se admitir o nome personaliza, se personalizar tem de gostar, se gostar tem de levar de volta para Casa. A dupla vive uma relação muito engraçada, de amor profundo com pitadas de pirraça. Aliás, a gente só pirraça quem ama. Que graça tem chatear a quem não importa?!?! É engraçado ver os dois se escondendo pelos cantos esperando a passagem do outro para dar o susto. Se está todo mundo lendo quietinho na sala, a Marisa dá um berro no bichano, que só falta grudar no teto. Se a Florzinha está em idas e vindas do quarto para sala para nos mostrar algo que está fazendo, o Gato estrategicamente se esconde no banheiro e pula nas pernas dela na passagem. Se o felino está confortavelmente deitado sob o edredon na cama, Marisa arranca a coberta com agilidade e dá um grito. Ele também não é bobo, se esconde sobre o armário da cozinha e quando Marisete vai beber água pula lá de cima, cai como se tivesse sido jogado de um avião, sem pára-quedas.

Bom mesmo é ver a dupla rolando no chão. Marisa fica agachada e fecha os braços ao redor das pernas, com joelhos e rosto no chão. O Gato fica tentando entrar no colo da mãe, uma comédia. Dá volta de um lado, vai para o outro, enfia a cabeça em um buraquinho aqui ou ali, sobe nas costas da Pequena, tenta pelos cabelos, nada. Uma bagunça eterna. Certa feita, ficou preso nas madeixas e tivemos de chamar o 911. Estamos aqui criando uma pequena Gal Costa ou Vanessa da Mata.

E na última segunda foi numa destas brincadeiras de chão que o Gato literalmente grudou no braço da Marisa. O estrago foi real, assim como o choro. Eu estava ao telefone e Isinha correu com a Pequena para a cozinha para os cuidados necessários, ou de praxe, e o Gato percebeu o que tinha feito. Coitado, ficou desesperado, enquanto a Isa lavava o braço com sabão, ele fazia carinho no pé da Marisa com a patinha. Já era tarde e pouco depois a Florzinha foi dormir, pois o Gato passou a noite toda com ela na cama. Ele em geral dorme em uma poltrona, a poltrona do Gato, mas eu acordei de madrugada para fazer xixi e ele ainda estava na cama, velando por ela. É uma figura esse Tang.

Beijos e saudades,

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Tabaréu também em inglês



Por mais que eu tente fugir, parece cada vez mais ter razão aquela amiga para quem eu sai de Feira, mas Feira não sai de mim. Me descubro feirense em inglês.

Outro dia, por conta da pesquisa do mestrado, fui à escola da Isa, onde também estuda a Marisa. A Florzinha nada tem a ver com a história, mas sou obrigado a tentar citá-la em todos os comentários porque uma amiga me chamou de pai desnaturado. Disse que nas mensagens que mandava daqui nunca falava da filhota, só da Isa. Taí o registro, viu, xará? Tudo passa pela Marisa, não há porque pensar o contrário. Bom, estava eu na escola, aliás, antes, o trabalho de mestrado é sobre um programa desenvolvido na Siler City Elementary que oferece aulas de ELS (inglês como segunda língua) aos pais dos alunos - a maioria de origem latina.

De volta à visita ao colégio. Fiz o que tinha de fazer e, ao seguir em direção à saída, pronunciei como despedida o baiol. Quem estava na sala respondeu, mas um professo amigo da Isa, também estrangeiro, começou a rir. "Ô, Isa, o Marcio agora tá falando que nem o povo daqui é?".

O baiol, por mais estranho que soe, significa 'bye you all', tchau para todo mundo. É que meu fraquíssimo inglês foi achado nas prateleiras do Walmart de uma cidadezinha do sul norte-americano, o que na prática significa dizer que sou caipira. Os sulistas falam tão caipirês que nem eles se entendem. Um colega do mercado do Wal foi ao Alabama e disse que penou para compreender o que as pessoas diziam. Se para ele, nascido e criado aqui, foi difícil, imagine a minha cara quando alguém pergunta onde fica o cool whip? Cu de quem, meu amigo?!?!?!?

Eu já fui amaldiçoado por um primo a voltar a viver em Feira. Disse-me que vou ficar rico, comprar as casas vizinhas à que cresci (continua sendo de seu Fernando e dona Nilma, como um pequeno aluguel), demolir tudo e construir um prédio.

É isso, sou agora um tabaréu pseudobilíngue. Só falta ficar rico e comprar dinamite.

Beijos e saudades,

Imagem: inblogs.com.br

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Marisa, sobrinha do tio e das tias



Está comprovado, Marisa é sobrinha de Téo, Lu e Lore.

Isa acaba de me ligar, são 11h22 e estava lavando a louça, tenho de sair às 12h31 para Walmartiar. Durante três dias desta semana a Flozinha fez o IOG, a prova estadual que mede o aprendizado dos alunos, é uma espécie de vestibular que não serve para nada e é aplicado a todas as crianças a partir dos oito, nove anos. Os moleques, nesta idade, têm de fazer provas de duas, três horas de duração. E a mesma prova é aplicada em todo o estado. Bom, deixa eu parar de criticar a prova standardizada (eu tenho N críticas a esse modelo de avaliação, e tenho discutido isto no mestrado, porque os EUA adaram vestir todo mundo com o mesmo terno) para aproveitar o momento: acaba de ser divulgado o resultado do IOG e a Florzinha, que no ano passado deve um resultado considerado excepcional porque ela não é falante nativa de inglês, foi considerada gênio.

A melhora padrão de um ano para outro é de cinco pontos, a Sobrinha dos que cresceram na Nossa Senhora da Saúde melhorou 15 pontos. Em leitura ela tirou a nota máxima, em matemática ela ficou a uma questão da nota máxima. Resumo: em toda o estado, eu disse em toda a Carolina do Norte, apenas 3% dos estudantes obtiveram um desempenho melhor que o dela. Se fosse no segundo grau, Marisa receberia uma carta pessoal do Obamão. Esta é uma sociedade do individual, sozinho você faz tudo e é melhor que os outros, e a Presidência envia cartas assinadas pelo cara de plantão na sala oval aos melhores estudantes de high school.

E fica a prova de DNA, Marisa puxou ao tio e às tias CDFs. Mas isso é outro assunto. A professora sugeriu (e como envolve dinheiro, é um tema que só a Isa pode decidir!) que Marisa seja levada à Books a Million, a livraria - de rede - local, para escolher o que quiser. Na terra do sozinho vencerei, todo cãozinho tem de ganhar um biscoito depois de buscar no canudo.

Beijos, saudades e só quem tem CDF pode comer prego.

Imagem: loiratodosdias.blogspot.com

quinta-feira, 14 de maio de 2009

terça-feira, 12 de maio de 2009

Bateu asas e voltou



A foto é da Marisa e resume o que se vive hoje nos Estados Unidos: uma nação boquiaberta diante do riso fácil do Presidente.

Marisa está de volta. Washington já é ontem, tanto passado que ela até visitou a tumba (confira à esquerda). Trouxe histórias para contar - teve até ônibus quebrado à noite, fotos e a câmera (ufa), dois lápis para a coleção pessoal e um par de camisetas para os pais. Mais, retornou com 70% doa recursos oferecidos pela Isinha para que ela aproveitasse os dias na capital. Inocente, ela entregou o dinheiro para mim, para que eu devolvesse à mãe. Graças à Marisete esta semana vou ao cinema e até pipoca vou comer! Não vai ser a primeira vez que a Florzinha me banca. Há duas semanas, estava eu ajudando como voluntário na Feira do Livro da escola quando a Pequena surge e me chama para comermos juntos. Lá fui eu todo feliz almoçar as porcarias que eles servem no colégio. Na hora de pagar, "pode deixar, papai. Moça, põe na minha conta, por favor". Vejam a minha situação, minha filhota de 11 anos me chama para almoçar e ainda paga a conta...

De cá, que permite um ângulo diferente ao daí, fico imaginando se o Presidente tem noção do tamanho da figura dele. Na foto, parece enorme, mas a imagem não é real. Obama virou gigante. É maior que a Casa Branca, que Washington, que toda a América - como aqui eles insistem em chamar o país, como se fossem os Estados Unidos o único do continente. Esse moço ganhou uma dimensão messiânica, o afago que ele faz na aluna da Siler City Elementary é em um mundo inteiro de minorias que se sente representado pelo Presidente. Barack não é Estados Unidos, Barack é México, é África.

E é isso que a mim mais me preocupa, e me permitam a mim o duplo pleonasmo. Qualquer um que chega ao poder na condição de salvador me deixa apreensivo. O roteiro não é novo, dá até para classificar como remake - eles também copiam histórias que nem terminaram, mas ao contrário da falta de criatividade hollywoodiana, agora o final é incerto.

Beijos e saudades,

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Vai um cupomzinho aí?



Os Estados Unidos podem ser definidos de várias formas, o país do fast food, a terra das oportunidades, a paixão pelos carros, a loucura para sempre comprar mais, a torcida fanática do basquete. No entanto, só morando aqui é que a gente descobre a verdade: este é o país dos cupons.

Tem cupom para tudo, para desconto no papel higiênico, para ganhar brinde na sorveteria, para baixar o preço do sabão em pó - que aqui é líquido, para dobrar o tamanho do seu hambúrger, para deixar a patroa mais ajeitada. E eles se reproduzem. Uma vez dentro do mundo dos cupons, você jamais sairá dele.

A Isa, que consegue bancar as próprias contas e ainda me dá uma mesada, habita o planeta cupom. Os que ela mais usa são da Bath & Bady Works, uma espécie de Avon que queria ser Victoria Secret. Funciona assim: você faz uma compra e recebe um cupom para sua próxima ida à loja. Desta forma, se você comprar US$ 30, recebe US$ 10 de desconto. Na melhor compra com cupons feita lá, no Natal, Isinha trouxe uns sabonetes de US$ 5 cada por US$ 1,80. Graças ao cupom, temos sabonete aqui em casa até 2014. Ou melhor, aqui em casa e aí em casa, porque vamos ter de voltar com as malas cheias de sabonete.

A coisa é tão bem feita que a Isa praticamente se vê obrigada a ir todos os meses à Bath & Body Works para aproveitar os descontos. Os cupons têm datas de validade, podem ser usados em um intervalo que varia de três a 15 dias, mas quase sempre no mês seguinte ao que você faz a compra. Camarada, quem inventou a Amway não ia deixar barato algo que parece de graça. Os cupons fazem a mercadoria girar e sempre levam gente às lojas, que acabam comprando mais do que queriam ou precisam.

No mercado do Walter eu vejo cenas hilárias de gente perdendo cinco, dez minutos para casar o produto com o cupom. É difícil achar o papelzinho certo, que em geral está em um bolo com dezenas ou centenas de outros. Claro, há os organizados, que têm pastinhas com os cupons catalogados e divididos por produtos os fabricantes. Alguns são revoltados, como o cara que tinha o cupom para comprar o ceral e ganhar o iogurte da mesma marca, mas nós não tínhamos o iogurte e ele queria que a gente parasse de vender também o ceral para não fazê-lo passar raiva. E há os solidários, esses são os que mais me divertem. Tem alguém olhando o produto X na prateleira e aquela senhora de boa alma chega e diz: "olha só, eu tenho um cupom para esse xampu, tá aqui, é seu". Na prática, de cupom em cupom há famílias que chegam a economizar 25% nas compras de mercado, já que os descontos são reais.

Ah, e não são só descontos, tem coisa de graça também. Ontem a Isa ganhou de uma professora um cupom para o novo prato do cardápio do KFC, Kentucky Fried Chicken - aqueles frangos fritos que não têm uma gota de colesterol, e sim litros. E lá fomos eu e ela para o KFC comer de graça. Mas sabe como é, né? Dá uma desconfiança... Eu perguntei "Isinha, será que vai ser de graça mesmo, tô com medo de passar vergonha com esse trem na mão...". Pois bem, quando eu abro a porta da lanchonete, candangos e baianos, tinha uma fila de 20 pessoas com os cupons na mão. Todo mundo querendo seu franguinho, com batatas e salada de repolho, de graça. O cupom - impresso a partir de um site - só valia para ontem. Até que estava bom, mas desta vez o cupom falhou, o FKC não faz parte de nossa lista de fast food.

sogra, unanimidade mundial



O Oraite vai voltar a ser rotina. Os quase dois meses de ausência são plenamente explicáveis: é exatamente o período que a mãe da Isinha passou aqui conosco. Mainha, que certamente é a melhor sogra do mundo, sempre me ensinou a guardar o silêncio se não houver nada de bom a ser dito. Foi melhor, então, manter o teclado no saco durante a estadia da Sogra.

Eu já disse que faço um curso de inglês no Community College? O nome é Advanced Writing and Conversation in English. Pois é, fiz uma prova de nivelamento e o computador, mais preocupado em olhar o cabo da nova impressora, me nivelou como adivancedi. Mas não era do meu nível adivancedi de inglês que eu queria falar, e sim sobre a sogra.

Como os 25.003 moradores de Asheboro têm uma vida social, noturna e cultural tão repleta de atividades e emoções que a cidade deveria se chamar Asheboring, eu decedi levar a Sogra para as aulas, que acontecem todas as manhãs das 09h30 às 12h30. Aliás, aconteciam. Hoje foi o último dia do curso de inverno. Vou saltar o curso de verão, já que a Florzinha vai ao Brasil aproveitarei para adiantar uma matéria no mestrado, e devo voltar no outono. Sou obrigado a abrir o parêntese. Como é diferente viver em um local com quatro estações. Tudo aqui acontece de acordo com a época do ano, desde o que você come ou veste, passando pelo quê está nas prateleiras no mercado do Walter até as piadas contadas pelos corredores e quantas vezes se faz sexo. Graças a Deus, o inverno já passou. É por isso que o povo se mata no frio, ninguém trepa. Fecha parênteses.

A sogra e o community college. A turma é uma loucura, tem gente de todos os continentes, de Butão à Suécia. Se as regras de crase mudaram com a reforma ortográfica, alguém por favor me avise. Do Brasil só eu mesmo. Antes de levar a sogra pedi autorização ao professor norte-americano e avisei aos colegas multinacionais. Eis aqui o maior aprendizado que tive no curso de adivancedi English: sogra é sogra em qualquer lugar do planeta. Eu achei que fosse coisa de brasileiro, no máximo do Ocidente, implicar com a mãe alheia. Pura inocência. No Japão, aquela ilhazinha minúscula com milhões de pessoas, eles desejam à sogra o que há de mais caro no país: um pedaço de terra só dela. Na China, uma imensidão de terra, eles não querem a sogra em um lote de 2X1, mas sim em um lindo pote de porcela no jardim no quintal. Em alguns países andinos há quem plante pés de coca na casa da sogra para ajudá-la a ter uma renda extra, mas o caso sempre termina mal porque a polícia invariavelmente recebe uma denúncia anônima. E por aí vai.

Mas há aquele colega do Vietnã. A Carolina do Norte é sede de um enorme grupo de refugiados políticos do Vietnã. E o meu amigo vietnamita, adjetivo pátrio não é meu forte, disse que amava a mãe da esposa. "Sim, sim, sim, pessoa maravilhosa, querida por todos". Eu achei estranhíssimo e insisti: "mas você gosta mesmo da sua sogra, ela é uma pessoa tão boa assim?". "É o que todo mundo diz, eu não a conheci, ela morreu antes de eu conhecer minha esposa". Assim, sim.

Beijos e saudades,

PS.: A Isa sugere que eu escreva que é tudo brincadeira. Tá escrito, viu, mô? Hoje é sexta-feira, eu tô de folga do mercado do Wal, a Marisa está em Washington e, vejam só, é primavera...

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Ninho vazio


Olá, pessoas!

Pois estamos sós em casa, eu e a Isa. E o gato, é claro. Há sempre o gato. Marisa partiu esta manhã, rumo à capital. Foi com toda a turma da escola, é a viagem de formatura da quinta série. O ano escolar está perto do fim, vai até 10 de junho. Voltam na sexta-feira à noite. Até lá eu e Isa somos os fiéis depositários do gato, que temos de alimentar, acarinhar e, vida dura, limpar a bosta e o mijo.

Minha intenção inicial era deixar só para a Isa a missão de cuidar do felino. Carinho e alimentação vá lá, mas cocô a gente só limpa o dos filhos e ninguém me diga que não tinha uma pontinha de asco. Consegui até os três dias de folga no Wal-Mart para embarcar como 'pai assistente' na field trip da Pequena. Ia pagar tudo sozinho (coisa raríssima para mim na terra-do-cachorro-quente-sem-molho, até o presente do Dia das Mães foi debitado na conta da Isa, ops, tomara que ela não leia...) com os pennies que conservo em um garrafão de vinho sobre a mesa. Ia ser moleza, ficar responsável por quatro meninos de 11 anos e de lambuja conhecer Washington ao lado da filhota. Um pequeno detalhe impediu a viagem: fui barrado.

Ter o acesso negado nunca é bom, mas ser barrado pela própria filha é novidade para mim. Já fui impedido de entrar em cinema, em festa e até na área reservada aos carros da Stockcar no autódromo de Brasília - tinha de conferir o boato de que um competidor estampava um anúncio não solicitado pela CEB, tudo bem, subi em uma laje e vi todos os carrinhos. Disse-me a Florzinha, em tom dompedriano, que precisa fazer algo sozinha para ganhar independência. Ela tem 11 anos!!!!!!!!!!! Onze anos e 39 dias para ser exato. Temo não estar pronto para ser pai de uma adolescente.

Beijos e saudades,

PS.: A mesma Marisete segue em 18 de junho para Salvador, Feira de Santana, João Pessoa, Brasília, Caldas Novas e o que aparecer até 12 de agosto, quando retorna para cá. Essa mocinha está independente até demais.

sexta-feira, 13 de março de 2009

Sobre dependência e vinho


Pois bem, vou cortar o blá-blá-blá sobre os motivos que provocaram esta pausa entre a mensagem anterior e esta e as promessas de escrever com frequência para dizer o que realmente interessa: são 23h55 de uma sexta-feira sem Wal-Mart e a Isa dorme desde 17h30.

Sextas-feiras de folga no Wal-Mart são raras, mas também não é isso que interessa: tenho quatro textos prontos para postar no mestrado, mas não tenho coragem de fazê-lo sem o okay (é assim que eles usam aqui. Práticos em quase tudo, os norte-americanos conseguiram dobrar de tamanho o simples OK) da professora de inglês. Eu, que sempre editei, sou agora editado, e sempre. E sempre.

A sensação de dependência é algo curioso. Aqui sou café-com-leite, como também o era no mãe da rua de 78, e se você não cresceu entre os menos de 100 metros da Rua Rio Grande vai ter de descobrir o que a expressão significa. O bom é que, além da certeza de que é uma situação temporária, dependo da única pessoa com quem sempre dividi (des)crenças e angústias: dona Isabelita Solano Mendes, que por opção e contra a minha vontade em 95 passou a usar o Peixoto.

Me resta a feliz companhia de um esvaziante pinot noir californiano, Ella Fitzgerald, Diana Krall, Madeleine Peyroux e da Bravo de novembro/08 - presente perfeito enviado de Brasília. E um imprevisto tempo livre para ressuscitar o Oraite. Como disse o poeta feirense em um e-mail 'vida longa ao Oraite'. E acrescento: que venha a geração espontânea, porque se depender de tempo para postagens é preciso apostar no sono da Isa. Moleza, pule de dez.

Na foto, tudo o que vejo neste momento da poltrona que o gato mui gentilmente me permitiu usar hoje. São 00:10 do sábado 14, dia de Wal-Mart.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Do dia em que estive na mira de um rifle


O tornado virou fichinha.

Minha segunda, e real, experiência de quase-morte nos Estados Unidos foi muito mais tensa do que o aviso de tornado de setembro. Nem deu tempo de maldizer as moças do Visa. Aliás, sobre Elas, a Isa sucumbiu, aceitou uma proposta e já circula pelos shoppings da Carolina do Norte com um cartão de crédito. O bom é que agora a fatura do cartão DELA não está em débito automático na MINHA conta bancária!!! Eu mantenho a decisão franciscana de desapego nesta aventura na terra do consumo. Fiz até a Isa devolver duas camisas que havia comprado para mim. Mas já estou fugindo ao tema. Quase-morte.

Foi exatamente há uma semana. Para entender é preciso retroceder mais um pouco. Marisa está, finalmente, sendo líder de torcida. Ela nos enche o saco com essa história há mais de um ano e agora conseguimos conciliar três agendas para permitir que a Pequena participe dos treinos nas noites de quinta-feira e dos jogos nas manhãs de sábado. E foi na noite da quinta passada.

A Isa tem aula de mestrado nas noites de quinta e é minha a função de levar, ajudar-a-arrumar-os-móveis-no-salão-da-igreja-onde-acontecem-os-treinos, assistir, torcer, pôr os móveis no lugar e trazer a Florizinha de volta para casa. Todo o processo leva cerca de duas horas. Em casa, ainda há a briga para tomar banho 'daqui a pouco'. Nesta, já virou hábito a Marisa não tomar banho às sextas-feiras. Tudo bem, puxou a mãe, né?

Pois bem, na semana passada eu tinha um compromisso inadiável na biblioteca, onde felizmente ainda consigo trabalhar como voluntário uma vez por semana, apesar das 32 horas de leite na prateleira do Wal-Mart, das 14 horas de aulas de inglês, das atividades domésticas, do mestrado, da vida social familiar e das funções matrimoniais. A ordem é inversa. A Pequena perderia o treino, justamente o último antes do primeiro jogo do campeonato. Convulsão social nesta pequena cidade do sul norte-americano. A celeuma foi tamanha que a treinadora se comprometeu a cuidar da Marisete e depois levá-la para sua casa, onde eu a buscaria.

Tudo combinado, endereço em mãos, claro, tive dificuldade para encontrar a casa. Aqui quase não há iluminação pública nas ruas (vou importar a equipe da SIP da CEB, vão fazer um estrago!). Quem quiser que ponha seu poste na porta de casa. E quase ninguém quer. Pois cheguei ao que achei ser o número certo e bati à porta. Eram pouco mais de nove da noite.

- Who is this?

- It's Marcio, Marisa's dad. I'm looking for English.

- What???

A porta foi aberta e dou de cara com um afro-americano de três metros de altura, voz de Heron Domingues, cara de nenhum amigo e, um detalhezinho de nada, um rifle em punhos.

- (puta-que-pariu-o-cara-tá-com-uma-espingarda-voltada-para-mim) ...English?

- No Spanish here, man!

- (será-que-está-carregada?Ele-está-com-o-dedo-no-gatilho) I'm looking for En-English...

- I told you, no Spanish here! No spanish here, this is America!

- (se-ele-atirar-ainda-vão-dizer-que-eu-queria-assaltar-a-casa) No, no, no Spanish. English, the name is English!

- SIR, I CANNOT SPEAK SPANISH!!!

- (o-Visa-que-eu-cancelei-tinha-seguro-de-vida-de-graça-e-eu-sempre-fui-tão-ríspido-com-aquelas-moças...) I can't speak Spanish either. I'm looking for English, English!

O nome da treinadora da Marisa é English. "Nice to meet you, Portuguese". A Isa riu, mas a English não gostou da piada. Na quinta-feira passada eu vi que não teve graça mesmo.

Beijos e saudades. Vou fazer aulas de espanhol.

Imagem: www.falconarmas.com.br