domingo, 21 de fevereiro de 2010

A última de CDF

Olá, pessoas,

Ao diabo a greve. Enfrentarei-a heroicamente, eu e minhas mãos, que nesses assuntos sou ambidestro.

Parêntese. Antes de seguir tenho de admitir que me apavora a tal unificação da Língua Portuguesa. E se eu estiver escrevendo tudo errado? Ainda existe próclise, ênclise e mesóclise? E acento, como fica? O poeta de Feira – douto na língua de Camões e outros bichos, me mandou um arquivo com os detalhes das mudanças, certamente apavorado pelos impropérios que tenho cometido aqui. Mas eu ainda não tive coragem de abrir. Pode ser que aumente ainda mais o meu trauma escolar, que é exatamente, e de novo, meu tema hoje. Fecha.

Eu dizia que vou encarar a greve de peito aberto e mão fechada para voltar a falar do tema que a patroa-breadwinner-comandante-em-chefe-e-censora-nas-horas-vagas disse que não posso tratar. Sim, CDF. Ou melhor, o contrário: FDC, Fracasso Da Casa.

A essa altura já é público que meu irmão mais velho e minhas duas irmãs mais novas são geniais. CDFs de carteirinha, diploma de honra ao mérito e placa de homenagem. Um horror, tiram 10 até em educação física, ensino religioso e EMC, a temível Educação, Moral e Cívica. Sobre meu irmão ainda pesa outra vitória estrondosa: é um excelente goleiro, disputado aos tapas e promessas de “eu pago o chope, eu pago o chope” em todos os babas que participa, enquanto eu vivo na idade média do futebol: ainda não tenho certeza de que a bola seja redonda. Baba é a palavra baiana para pelada (deu para entender? Ah, o futebolês).

Mas eu perco o foco aqui, o trauma do futebol fica para outro dia, hoje só o escolar. Eu, sobre ele e elas, tenho apenas duas vantagens, tamanho e documento. Sou o mais alto da casa e os três se divorciaram, enquanto eu permaneço bravamente agarrado a uma certidão de casamento lavrada em 7 de janeiro de 1995. Ou terá sido no dia 5? Mas foi em janeiro de 95, com certeza.

Eu tenho o chamado recesso do lar, para onde volto alegremente após bater o cartão no fim do expediente. Eu ia dizer que abro a porta e dou de cara com uma esposa linda e cheirosa me esperando para o jantar. Mas esses foram outros tempos, aqueles em que se amarrava cachorro com linguiça, como diz Mainha, porque aqui quem faz a janta sou eu. E depois ainda lavo os pratos e varro a casa – desculpa ficar na frente da TV, querida, levanta os pés só um pouquinho; você tem de fazer isso agora? Traz outro martini pra mim, vê se não esquece a cereja de novo.

Já meus irmãos, vivem por aí como solteiros novamente, saindo com quem bem entendem e fazendo refeições e lavando a roupa na casa de dona Nilma e seu Fernando. Eu disse que tinha duas vantagens sobre eles, mas talvez tenha errado a conta.

Errar a conta é comigo mesmo. Tenho tido pesadelos sinistros por causa do zero em matemática. Não pelo zero em si, assunto que há anos é tema das minhas sessões, mas por ter exposto o fracasso escolar aos quatro ventos. Embora eu tenha plena certeza de que quase ninguém lê o blog, fico sonhando com isso. Na semana passada, sonhei, ou pesadelei, se me permitem, que voltava a Brasília e não conseguia emprego. Tinha passado uma lei exigindo teste de QI e histórico escolar para trabalhar como jornalista. Sabe como é, né, Marcio?, com esse seu histórico aí fica difícil para a gente te contratar, zero em matémática, 1,1 em redação, por mais que a gente goste de você, a gente desconhecia esse seu lado e realmente não dá. E lá ia eu, trabalhar no Wal-Mart. Ao menos agora eu entendia tudo que os clientes perguntavam.

Mas o pior me chegou nesta madrugada: sonhei que desembarcava de volta ao Brasil no Aeroporto de Brasília e tinha uma porrada de gente me esperando. Feliz e emocionado, corro de braços abertos, mas não eram meus amigos, e sim uma mega ação da Polícia Federal, que como também é público só acontece à luz de holofote. Eu era imediatamente preso, algemas, câmaras, tudo que se tem direito. Tinha eu a honra de ser o principal acusado da Operação Jumento. E eu dizia ao policial, deve ser engano, só pode ser, o meu é normal, padrão, nada demais, tamanho M e olhe lá, até me envergonha de vez em quando, a esposa pode confirmar, fale com ela... Só depois eu entendia que o jumento do título não era uma metáfora, e sim um sinônimo.

Beijos e saudades,

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Preocupação profunda


Olá, pessoas.

Ah, a vida sem o mestrado!

(E acrescento: e às custas da mulher, sem se preocupar com contas)

Hoje, finalmente, tive tempo para tentar solucionar um dos problemas que mais me atormentam desde que aterrei na casa do tio Sam. Além de cachorro quente sem molho, de um 'foot'ball jogado com as mãos, de café gelado, de televisão com 200 polegadas e de espingarda carregada atrás da porta, norte-americanos também são loucos por gel de sílica.

É quase inacreditável o quanto gel de sílica eles usam aqui. Você abre a caixa de um computador e tá lá, vários saquinhos. Natal? Pode comprar sua cesta de guloseimas e ele vai estar lá. Brinquedo novo para a filhota? A sílica vem de brinde. Até nos pacotes de comida tem. Vai dar uma maquiagem nova para a patroa? Se prepare para juntar mais um saquinho ou dois. Sim, juntar, porque decidi me rebelar contra o gel de sílica. Isso bem no comecinho, ainda em 2008. Junto todos. Todo saquinho de gel de sílica que vejo, jogo no porta-malas do carro. E não só os de casa, os do Wal-mart também. E lá o que não falta é gel de sílica, que vem nas caixas dos produtos em pacotes maiores. E dentro dos produtos tem mais sílica, mas naqueles saquinhos menores que todo mundo encontra no bolso de uma jaqueta ou nos zíperes das bolsas.

E foi de saquinho e sacão que juntei quase sete pounds de gel de sílica em um ano e meio. Pesados e conferidos no Wii da Florzinha. Ela está na escola, então, não deu para pedir autorização, mas se a Pequena pesa o Gato no vídeo game, não vejo problema. Aliás, o gato tem até perfil no Wii. Sete pounds deve dar uns três quilos, ou quase. É que o Wii é iletrado em quilês, domina apenas o poundês.

Desiccant
SILICA GEL
Do Not Eat
Throw Away

Todo sacão ou saquinho vem com as mesmas palavras. Jogar no lixo? Dúvido que seja a melhor alternativa, tá na cara que esse porcaria deve provocar algum dano ambiental.

Pois cá estou eu diante da pilha, três quilos de gel de síllica. E agora, o que fazer com isso? Como já descumpri a advertência da embalagem ao não jogar fora, resolvi encarar a rebelião total: do not eat. Abri uns quatro sacos e despejei num prato descartável (de papel, que também estou em guerra contra o plástico). A primeira constatação foi ridícula: gel de sílica, vejam só, é sólido. Mais uma das contradições da terra-da-hambuger-no-lanche-escolar.

Como havia o risco de envenenamento, resolvi acionar a equipe de emergência - personificada na ilustre fugra do Gato. Digitei 911 no celular e amarrei o telefone na pata do bichano. Com o Gato preso ao colo, se algo me acontecesse ele andaria e acionaria o auxílio externo.

Nem foi preciso, gel de sílica tem gosto de nada. Encostei nos lábios e... grudou! Faz sentido, já que foi desenvolvido para retirar a humidade. Também é muito duro, não dá para mastigar. Pensei em engolir, mas as duas alternativas me desanimaram: (1) as bolinhas vão chupar todo meu suco gástrico e vou parar no hospital (ou necrotério, se o Gato falhar na função de diretor da equipe de emergência) ou (2) as bolinhas vão passar tranquilamente pelo sistema digestivo e serão eliminadas pelas vias de praxe. Das duas, a segunda hipótese me assustou profundamente, quem como sílica sabe o cu que tem.

Ainda pensei no Gato, mas ele não deu a mínima para a nova comida que despejei no potinho. O 'gel' também não tem cheiro. Se não serve para comer, me veio a idéia de usar a sílica para acender churrasco. Não que a gente faça churrasco por aqui - o preço da carne é proibitivo, mas tem de ter uma utilidade para toda esse falso gel. Outra decepção, essa porcaria sequer pega fogo.

Quem sabe cozinhando dá para fazer algo? Peguei a panela - a com teflon, que é para não dar trabalho na hora de lavar, e não é que funcionou? No banho-maria, o gel de sílica passa a fazer jus ao nome. Minha meta agora é descobrir se a sílica é parente do silicone. Se for, a Isa que se prepare, porque vai acordar turbinada qualquer dia desses.

Beijo e saudades,

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Para não mais falar de CDF


Caos total. Chamem a polícia! O Oraite foi censurado. E sob chantagem.

Explico. Ou tentarei. A Marisa acaba de tirar um B. Normal, né? Não, não é normal porque, além do tio e das tias paternas, ela foi premiada com uma mãe CDF. E agora a culpa da nota baixa é do blog. Ou minha, sei lá. O fato é que a Pequena tirou um B e a Isa - numa série de ilações, inferências e silogismos que prefiro não reproduzir - chegou à conclusão de que eu sou diretamente responsável.

Tá bom, vou resumir em poucas palavras o que ela extensivamente argumentou por 43 minutos (e ao telefone!): quem vai querer estudar se tem pai que acha bonito tirar zero? Eu completo: e zero escrito à mão, que é para não dar chance ao meliante de pôr um 1 antes do 0 e ganhar um 10.

Eu ainda tentei argumentar que a Pequena tirou B em inglês, idioma que ela só conhece há pouco mais de dois, lembrei que ela foi alfabetizada em português, enfatizei que até em matemática ela sempre tira A, nada adiantou. A Isa decretou que eu não posso mais falar do meu zero e nem do meu não-cedeefismo. Aliás, eu sou mesmo é anti-CDF, e declarado. Acho tirar 10 em tudo ridículo.

Pois então, ou eu paro de falar dessas coisas ou é greve. Parêntese. Cê sabe de qual greve tô falando, né? Não dá para explicar porque tem criança na platéia. Fecha.
E estou eu aqui escrevendo pela última vez a palavra CDF. Mas não é tudo. Não basta apenas cessar os comentários, eu tenho de terminar de uma forma positiva, que incentive a rebento a estudar. Sou obrigado, com o rabinho entre as pernas, como diria dona Nilma, a reproduzir meu boletim do mestrado:

Professional Communications: A
Foundations of Adult Education and Training: A
Critical Issues and Trends in Adult Education and Training: A
Introduction to Action Research: A
Instructional Design: A
Instructional Strategies in Adult Education and Training: A
Measurement, Evaluation, and Ethics in Research: A
Facilitating Instruction for Diverse Adult Learners: A
Technology for the Adult Learner: A
Assessment and Evaluation in Adult Learning: A
E-Learning: A-
Action Research: A
E-Learning Design Technologies: A
Applications of Action Research: A

Infelizmente, parece que depois de velho virei CDF. E não se fala mais nisso.

Beijos e saudades,

Imagem: papeldeparede.fotosdahora.com.br

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

De volta ao mundo virtual


Pois sim, pois sim. Depois de um longo e necessário resguardo, volto amanhã a frequentar os ambientes online. Passado o mestrado, finalmente tenho tempo para perder pela internet. Agora, quando estiver no computador, além de ver mulher pelada e resultado de futebol, vou também estar no MSN, Google Talk e Skype. Eu ia falar do ICQ, mas saudosismo virtual tem limite. E acho que nem existe mais. Tenho saudades do ICQ.

No Entanto, do que sinto falta mesmo é do acesso discado. Aquele barulhinho era mágico. Nenhum trabalho estava pronto antes daquele sonzinho, já que sem ele tudo que você tinha feito não ia a lugar algum. De mais a mais, demorava tanto que enquanto esperava a conexão tinha tempo de revisar tudo que tinha escrito. Muito útil o tempo de espera da conexão discada. Melhor do que ele só mesmo o fax. Ah, o fax.

Podem falar de tudo - pólvora, celular, roda, relógio de pulso, SuperBonder e KY, para mim nada supera a genialidade da invenção do fax. Você põe aqui e sai lá do outro lado, sejá lá onde for o outro lado, no escritório do andar de cima, na China ou até em Feira de Santana, onde até hoje só há energia até às 22h00, quando os geradores a querosene são desligados. E o fax ainda permite arrependimento! E-mail não. E-mail é cruel, clicou no send, fudeu. Quem nunca encaminhou a um amigo uma mensagem falando mal do remetente e depois descobriu que, ao invés de encaminhar, respondeu ao e-mail? Que explicação dar a alguém depois de falar mal dele para ele mesmo, e em terceira pessoa?

No fax não, você pode interromper a transmissão. Sim, porque no fax, ao contrário do e-mail, você ainda tem a chance de ir lendo o texto enquanto ele está sendo transmitido. Foi esse recurso maravilhoso que me impediu de perder o emprego no fim dos 90 ou início dos 2000. Cronologia não é meu forte. O concreto é que era presidente da Câmara Legislativa a deputada Lúcia Carvalho. Tinha eu de mandar uma mensagem escrita ao gabinete e o emissário era o bom, fiel, confiável e sempre condescendente fax. Parêntese. Tive de olhar condescendente no dicionário. Fecha parêntese. Aliás, não, não. Ainda no parêntese: toda vez digito ‘faz’ e não ‘fax’, acho que é a deslexia. Vou criar agora outro parágrafo, porque senão esse vai ficar muito grande e antiestético. Fecha, de verdade, o parêntese.

Enfio o papel, digito o número, aguardo o sinal automático de fax, não veio, atendeu uma voz e pedi o sinal; tive de ligar de novo, que a voz não sabia que botão apertar e tinha de pedir ajuda ao boy. Ligo de novo, o sinal atende e começa a transmissão. O fax bom é aquele lento, que permite você ler até o final da página antes de mandar tudo. Esse faxes modernos, que engolem a página e a cospem do outro lado quase imediatamente, são um perigo. E ia o fax passando a mensagem quando flagro no último parágrafo um errinho de nada. Tinha esquecido de digitar uma letra. No normal, deixaria para lá, mas ficou de fora logo o v da Lúcia CarValho.

Ainda no saudosismo, eu ia falar que me faltava a máquina de escrever, mas esse é um problema superado: comprei aqui num antiquário (dinheiro da Isa, claro) uma Underwood da década de 40 em perfeitíssimo estado. Todos os comandos e teclas funcionam a contento. O único problema é que a fita também parece ser da década de 40... Então, a parte vermelha já não escreve e a preta virou um cinza bem claro. Tenho resistido à tentação de escrever nela para não acabar com o restinho de tinta (estou analisando a possiblidade de pingar tinta de carimbo sobre a fita), e apenas bati um pequeno bilhetinho estilo telegrama para a Isinha. Ponto.

De volta ao mundo virtual. A Isa vai brigar comigo, mas vou divulgar os contatos on-line para quem quiser me convidar para um bate-papo. Diz a mãe da Marisa que o mundo internético está cheio de gente má, tanto que me obrigou a retirar a foto da minha autorização de trabalho publicada aqui lá nos idos de 2008 (se foi você aquele único leitor desse comentário pode conferir no arquivo aí da esquerda: não há mais a foto). Já eu prefiro acreditar na purezadalma e publico sim:

MSN: marcio@someletras.com.br

Skype: mtpeixoto

Gtalk: marciotpeixoto@gmail.com

Beijos e saudades,

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

CDF almofadinha

Olá, pessoas.

Acabo de chegar do bom e velho Wal e dou de cara com o seguinte comentário ao post Bi-Campeã!!!:

"Imagino o quanto duro deve ser ter tres irmaos inteligentissimos. Claro que a florzinha herdou o melhor do DNA Torres Peixoto: a inteligencia, o bom humor e os lindos cabelos cacheados. A proposito, embora tenha um ingles mediocre, consigo ler, sabia???? Para seu desespero e decepcao!!!!!"

A mensagem é de minha irmã Lu, CDF de tradição, psicóloga de profissão e um pé-no-saco, como toda irmã mais nova. Lembro de ter batido muito nela quando éramos menores. Tá provado que não apanhou o suficiente. O pior é o sadismo, e vindo logo de uma psicóloga.

Meu trauma por ser um fracasso escolar em meio a três CDFs é tamanho que o terapeuta me transferiu para um psiquiatra. Até agora, só duas diferenças no tratamento: o preço da consulta e as pernas da atendente. Atendente de psicóloga não depila.

Caramba, só quem é azul em terra de verdes pode entender isso. Somos quatro lá em casa, dois homens, duas mulheres. Eu sou o segundo, depois do primeiro e antes das duas moças. E todos são incrivelmente bem dotados para a escola. Sempre, sempre, sempre, a mesma história. Meu irmão teve a cara-de-pau de passar em um concurso pública para uma vaga. Uma vaga. UMA VAGA! Quem, pelo amor de Deus, se inscreve em concurso para uma vaga? (Vai ver foi por isso, ele era o único concorrente)

Minhas irmãs não ficavam atrás, passaram nos vestibulares que quiseram, nas universidades públicas que escolheram e têm quilos daqueles certificados de CDFs. Pois revelo agora: passei no vestibular numa faculdade particular, eram 60 vagas. E eu fui exatamente o de número 60. Pode consultar meus anais (com todo respeito, claro) no Ceub que a informação está lá. O último.

Todo ano era a mesma coisa, dava o terceiro bimestre e meus três irmãos passados. Aprovados, se tirassem zero em todas as provas do quarto bimestre, que na Bahia a gente chama de unidade, ainda assim estariam promovidos. Meu pai? Sorriso de orelha a orelha. Eu? Só rindo. No sufoco para tirar um 4, quem sabe um 5, mas sempre na peleja, fazendo prova final, recuperação, o diabo. Por dois anos fui aprovado pelo conselho de classe. Sabe o que é conselho de classe, né? Os professores se reúnem em uma salinha para analisar caso-a-caso os fracassados daquele ano. "Não, esse aqui realmente não tem jeito, vai repetir". "Olha aí o Marcio..., o Marcio de novo". "Ah, mas o Marcio tem o irmão que é muito inteligente, quem sabe o irmão ajuda no próximo ano?". "É, realmente, vamos dar outra chance a ele". E eu recebia o chamegão de aprovado. Veja só, meu irmão passa a si e também a mim. Nunca o agradeci por me presseder. Valeu, Téo.

E no ano seguinte era mais do mesmo. Na sétima série cheguei a ficar com média zero em matemática no segundo bimestre. Zero mesmo, zero na primeira prova, zero na segunda prova, zero mais zero dividido por dois, zero de média. Zero escrito à mão no boletim, tenho-o guardado com muito carinho em casa, mostro a quem quiser ver. Das lembranças que tenho do meu pai na infância a mais marcante é o olhar-de-esse-menino-foi-trocado-na-maternidade quando viu este boletim.

Seu Fernando nos buscou na escola em um Gol branco. Sophia Costa Pinto, no Corredor da Vitória. É lá que começa o desfile dos blocos de carnaval em Salvador, ou era, que de folião não tenho nem a mortalha (hoje é abadá, mortalha era muito mais charmoso). Sentei no banco de trás, como manda a hierarquia. O feladaputa do meu irmão já entrou balançando o boletim. Um retângulo de cartolina rosa com a foto do estudante no canto superior direito. Seu Fernando, que já tinha dado partida no carro, o desligou para contemplar a obra de arte. Cabia bem em uma moldura. Cumprimentos de praxe finalizados, ele pergunta pelo meu. Sentado na diagonal do volante, estiquei o braço e entreguei.

Foi um tempo curto, coisa de fração de segundos, até ele localizar o zero. Antes, passou pelo 1,3 em português e 2,4 em história. Mas o que doía mesmo era o zero, por escrito, em matemática. Ele olhou o boletim, e eu pensei, lá vem a martelada. Mas não. Seu Fernando nada disse, apenas olhou para trás e devolveu o boletim. Deu partida no carro e a vida seguiu.

Pois bem, chega de reminiscências, que agora eu também sei o sentimento que é ser pai de CDF. É meio constrangedor, mas é bom. Só fica um aviso: aprendi mais matando aula do que delas participando.

Beijos e saudades,

PS.: Se você não sabia, fique informado de que minha irmã Lu é secretária de Saúde de Mata de São João. Mata é o município onde ficam, por exemplo, a Praia do Forte e a Costa do Sauípe. Então, da próxima vez que você der um pulinho pela Bahia, comer um acarajé estragado na praia e ficar sem atendimento na rede de saúde do município, pode saber: tem CDF sentado sob o ar-condicionado na Secretaria.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A neve...

Olá, pessoas.

Estamos em pleno inverno. A coisa tá tão feia que no fim de semana até painho me ligou – pela primeira vez desde que cá cheguei – para saber se estava tudo bem. Ele tinha visto na TV que a Carolina do Norte tinha decretado estado de emergência por causa da neve. Sim, seu Fernando, estamos todos bem por aqui.

Neve é que nem conhecer a pessoa mais bonita da festa e descobrir que a figura é oca: uma alegria enorme quando você é apresentado e outra, maior ainda, quando a gente consegue se livrar. A neve mesmo foi na sexta-feira passada, mas hoje é quinta e continua cheio de gelo por aí. Marisa e Isa passaram a semana quase toda em casa, aulas suspensas por causa do gelo nas pistas. Só hoje voltaram aos respectivos colégios, uma para ensinar, outra para aprender – ambas para me fazer inveja. O Wal-Mart abre sábado, domingo, madrugada, feriado e, claro, dia de neve. Só fecha mesmo no 25 de dezembro. Por enquanto, porque a cada ano abre até mais tarde na véspera. Antes, era até 18h00, neste último 24 de dezembro já foi até 20h00 e, não duvido, em breve vai abrir até no aniversário de Jesus.

A neve e o Wal têm uma relação especial. Qualquer ameaça de mau tempo, todo mundo corre para lá. A quinta e a sexta passadas foram dias enlouquecedores, o povo se matando por um galão de leite, uma dúzia de ovos ou um pacote de pão de forma. Dois dos três produtos mais vendidos nas vésperas de neve – leite e ovo – ficam no meu departamento, o que me garantiu muita diversão nestes dias nevosos, especialmente porque boa parte dos funcionários também deixa de trabalhar e quem vai tem de fazer as tarefas de três ou quatro pessoas. Eu fui todos os dias, derrapando o carro por 11 milhas até chegar lá. Não perderia por nada.

É nos dias de neve que acontecem os maiores inusitados do Wal. Nunca vi nada igual, no sábado não havia sequer um ovo, fatia de pão ou leite para contar a história daquelas horas de guerra. O corredor dos pães também era desolador, todas as prateleiras vazias. E que diabos esse povo tanto faz com pão, ovo e leite? A única resposta que me vem à cabeça é rabanada, que aqui eles chamam de french toast.

A situação é de batalha campal mesmo, com gente batendo boca pelo último produto. Eu fico sempre torcendo para o leite acabar quando eu esteja por lá para ver o fuzuê. A melhor de todas, desta vez, não foi por causada pelo leite, e sim pela cerveja, que fica estrategicamente armazenada em geladeiras em frente ao meu departamento.

Foi na sexta-feira. O leite estava saindo a olhos vistos, mas eu tinha estoque e repunha na velocidade que ter apenas dois braços permite. E vem vindo um casal, empurrando o carrinho. Eles estacionam o bug (gíria sulista para carrinho de mercado – não vá chamar o cart de bug se estiver em Washington ou Nova Iorque, é coisa de tabaréu, mas eu posso porque sou de Feira de Santana) em frente aos ovos, com o leite à direita e a cerveja à esquerda. Aquela parte de baixo do carrinho já estava lotada de pães. A esposa abre a grade do banquinho-onde-a-gente-põe-os-filhos-quando-eles-ainda-nos-obedecem e deposita cuidadosamente três caixas de uma dúzia e meia de ovos. Fui gentil e avisei: se a senhora vai levar esse tanto, é melhor comprar a caixa de cinco dúzias, que sai mais em conta. Ela agradeu, mas preferiu as três de dúzia e meia, porque caberiam perfeitamente no único espaço que ainda lhe restava no refrigerador, entre os leites que ela pretendia levar e a meia dúzia de cerveja que o marido compra toda semana.

A senhora se vira para os leites e, sem olhar para o carrinho, vai pondo os galões: um, dois, três, quatro, cinco. Do outro lado, o marido começa a pôr cerveja no mesmo carrinho. Só não foi a tradicional meia dúzia de toda semana. O cara vai pegando caixa de 24 latinhas. Uma caixa, duas caixas, três, quatro. Pensei, cada um com sua prioridade, mas que isso vai dar merda, vai. Daí a mulher percebe, porque foi colocar o sexto galão de leite ainda sem olhar para o bug, não havia espaço e os 3,6 litros acabam no chão. Leite para todo lado. No Wal, há um ditado: você viu, é seu. Ou seja, qualquer sujeira no chão tem de ser limpada pelo primeiro que a vê. É por isso que tem tanto funcionário que só anda olhando para o horizonte. Pode reparar na próxima vez que for a um supermercado, porque acho que a regra é universal. Ninguém olha para o chão.

Eu não tinha nem como fingir que não tinha visto, porque a essa altura até minhas meias estavam encharcadas. E eu também tinha outros interesses em ver a conclusão do caso: a senhora não se preocupe, que eu limpo tudo. E ainda joguei lenha (confesso que nessa hora me faltou um pouco da velha solidariedade masculina): pode continuar suas compras com seu marido. Limpar leite derramado eu faço todo dia, mas briga de marido e mulher é só em dia de neve.

A patroa olha para o carrinho, olha para o marido, olha para o carrinho, olha para ele de novo, mas agora com aquela cara de por-que-é-que-eu-casei-com-esse-imprestável-mesmo?, e dispara: ficou louco? Pra que esse tanto de cerveja? Não tem onde pôr! O cara nem se abala: com essa neve, se eu vou ficar trancando em casa com você, preciso de alguém que me entenda!

Beijos e saudades,