terça-feira, 22 de setembro de 2009

Sobre carros, policiais e loucos


Hoje é o Dia Mundial sem Carro. Claro, ninguém sequer ouviu falar nos Estados Unidos. Dei uma zapeada nos sites de notícia e nada. Para não dizer que o meio ambiente está completamente fora das manchetes, há referências ao encontro sobre mudança climática, que acontece em Nova Iorque e do qual participa o hiper, o super, o mega, o power, o Obama.

Mesmo que a terra-do-carro-que-faz-5-quilômetros-por-litro, ao contrário de boa parte da Europa e - espero! - do Brasil, não comemore o Dia, eu e Marisa resolvemos largar o veículo na garagem. A Isa, coitada, ficou de fora porque trabalha a 40 quilômetros de casa e aqui simplesmente não há transporte público. Ou você tem carro, ou tem carro. De fato, todo mundo tem carro. Até os homeless que pedem esmola nos semáforos de Greensboro, a cidade grande perto daqui, entram no seu Nissan ou Honda e vão para casa no fim do expediente. Para mim ficou mais fácil, porque hoje estou de folga do mercado do Wal e só tenho de levar e buscar a Florzinha na escola.

O colégio fica a 15 minutos de caminhada daqui. Daria, tranquilamente, para a Pequena ir e voltar sozinha, mas faço questão de levar e buscar. Não é por medo de assalto ou algo assim, porque aqui o que não falta é policial. Deve ter uns três policiais para cada bandido por aqui. Parece que eles nascem em árvore. Achar um cana é fácil. Não, não procure um posto policial. Eles, aliás, sequer existem. Os policiais estão sempre na rua, disfaçados de postes ou em carros caracterizados ou não. A melhor forma de encontrar um policial é ultrapassar da velocidade limite.

Duas semanas atrás estava atrasado para o trabalho e trafegava a 75 milhas por hora numa pista de 65. Há uma tolerância de cinco pontos, então, eu poderia estar a 70 mph. Ainda sobravam cinco milhas, mas resolvi ariscar. Dito e feito, tinha um carro da polícia estacionado no acostamento. Pensei, fudeu, vou acabar preso, eu e meu inglês. O carro saiu do meio-fio e colou na minha traseira. Como ele não ligou aquelas luzinhas, eu reduzi a velocidade e fui adiante. Pois o cara me segui por dez minutos até o estacionamento do Wal. E parou atrás de mim. Bonito, vou ser preso na frente de todos os colegas de trabalho. Mas quando eu sai do carro, de uniforme e crachá, o policial, muito educadamente, me desejou um bom dia de labuta e foi embora. Valeu o susto, porque agora só ando no limite certinho.

Então, não me preocupa que Marisa seja assaltada no trajeto casa-escola-casa. Tenho, sim, medo dos loucos. Este é um país de loucos. Loucos, loucos mesmo, daqueles que parecem normalíssimos, mas no íntimo sequestram e matam só para fazer algo diferente. O Discovery é meu canal de TV preferido e lá, além do Haunting, há um programa chamado The FBI Files. É examente sobre os loucos que são presos semanalmente. Gente normal, que te dá bom dia no Wal e depois vai caçar uns humanos porque a temporada de veados só reabre no próximo ano. Há três meses, o programa mostrou o caso de um vizinho nosso aqui de Asheboro que matou não sei quantas mulheres. Ele era caminhoneiro e, aporrinhado das pistas quádruplas e da falta de buracos nas estradas norte-americanas, resolveu sequestrar e estuprar mulheres pela Carolina do Norte e estados vizinhos. Depois de satisfeito, ele as deitava numa das saídas de rodovia e passava o caminhão por cima. E ainda dava ré.

Pois sim, o problema do Dia Mundial sem Carro é que justamente hoje eu tinha combinado de almoçar com a Florzinha na escola. Ou seja, eu andei meia hora para levá-la às 08h00, mais meia hora para ir almoçar às 11h20 e outros 30 minutos para buscá-la às 15h30. Uma hora e meia andando. Dia mundial sem carro e sem barriga.

Beijos e saudades, até dos engarrafamentos na Estrutural e na Paralela, além dos jegues no trânsito de Feira de Santana.

Imagem: www.conorclarke.net

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O dente vai bem, mas o bolso...


Acabo de ir ao dentista.

Foi, na verdade, a segunda vez. Há cerca de dois meses estive lá para fazer uma limpeza. E fui sozinho. Eu e meu inglês. Até que sobrevivemos bem, conseguimos dizer não a todos os tratamentos revolucionários que nos ofereceram e me ative, com o inglês ao meu lado, de boca aberta e bolso vazio, exatamente à limpeza, que era gratuita, conforme reza o contrado do seguro dentário que a Isa me deu de presente. E ainda ganhei uma escova elétrica, uma pasta de dentes, ou dentifrício, como diria Nelson Rodrigues, e um fio dental revolucionário, que não solta tiras, não tem cheiro e nem deforma. Você usa e ele fica do mesmo jeitinho. Vi o preço no mercado do Wal. Precisaria trabalhar duas horas e 14 minutos para pagar um rolo de 20 metros. Passei a usar o mesmo pedaço no almoço e no jantar. Mas guardo numa caixinha esterilizada, que higiene vem em primeiro lugar.

E foi esta primeira ida ao dentista que me abriu os olhos para a banguela dos norte-americanos. Um colega do Wal tinha pedido para que eu o substituísse e respondi que não poderia porque, na manhã em questão, tinha consulta no dentista. A pergunta dele me intrigou: "e você tem dinheiro para ir ao dentista?". Eu fiquei sem graça e pensei em dizer que meu irmão era dentista, mas depois lembrei que o dr. Téo está a mais de 10 mil quilômetros de distância e não colaria. Daí, mais constrangido ainda, eu confessei: eu vivo às custas da minha mulher, é ela que paga as contas e ainda me deu um seguro dentário de presente. Nem de rufião particular posso ser acusado, porque em troca a ela basta escrever no blog. É por isso que postei sexta-feira e hoje, tenho de mostrar serviço em casa, tenho de chegar junto, comparecer.

Ela tem dinheiro, eu não. Mas tenho dentes, e um deles começou a me incomodar. Sabe aquela dor que não é dor? Só um leve incômodo. Vez ou outra, quando mastigo, ele dá sinal de vida. Começou há umas quatro semanas, depois passou, voltou, passou e voltou de novo. E eu quito, bico fechado. É que seguro dentário reduz a conta, mas você ainda paga. Depois pensei, quando mais tempo passa, pode ficar pior e mais caro. Confessei a quase-dor e a Isa marcou a consulta.

A clínica é ultra moderna, parece consultório espacial, cheio de equipamentos, computadores, telas. Tudo do bom e do melhor para torturas coletivas e a minha em particular. Foi quando já estava na cadeira com babador e tudo que me veio o dilema: e se doer? Ter irmão dentista é essencial nestas horas, sempre abri a boca sem medo, agora estou aqui de boca aberta para um gringo. Uma gringa, na verdade. É que o dentista em si é uma espécie de Deus e há o risco de você sequer ser atendido por ele durante a consulta ou mesmo tratamento. A limpeza de há dois meses, por exemplo, foi toda feita por uma das moças. São cinco consultórios na clínica e apenas um dentista. As moças fazem tudo, tudo mesmo, até pôr o amálgama. Ele desce do trono, dá um OK e volta para uma salinha secreta. Ninguém sabe o que acontece na sala do dentista.

Pois sim, para resumir: meu dente está bem, o próprio dentista conferiu, depois da mocinha, e disse que nada há. Não foi preciso broca ou qualquer outro aparelho ultra-pós-moderno. Aliás, a mocinha bateu um raio-X, mas nem precisou revelar, porque agora a imagem aparece direto na dela do computador. A Kodak vai falir. E a garantia de que nada há me custou (ou à Isa) 30 dólares. E isso com o seguro. Sem o seguro? Separe 97 verdinhas, ou quase 200 reais. Um amigo nosso teve de fazer um canal. Quatro mil dólares! Mas ele tinha seguro (não sei se a Isa deu para ele também) e pagou apenas 800. Desconheço o preço de um canal no Brasil - ter irmão dentista tem diversas vantagens, mas dúvido que chege aos cerca de oito mil reais daqui.

Se eu tiver que fazer um canal na terra-do-dentista-fantasma, sai mais em conta comprar passagem e ir ao consultório do dr. Téo. Agora eu entendo não só porque meu Wal-friend perguntou se eu tinha dinheiro para ir ao dentista como também porque há tanto gringo sem dente por estas bandas da verdadeira América.

Beijos e saudades,

Imagem: www.blogdaries.blogspot.com

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

A pedidos



Eu disse ‘a pedidos’, mas o título correto seria ‘de ordem’.

Escreva no blog.

Escreva no blog.

Esta foi a última coisa que a Isa me disse ontem à noite. Na cama. Se fosse no café da manhã, tudo bem, o comentário entrava pelo canal auditivo direito, ecoaria no vácuo em que o mestrado transformou a massa cinzenta e sairia, lépido e livre, pela orelha esquerda. Mas foi na cama.

Quem é ou foi casado – e hoje é melhor usar outro verbo e dizer apenas ‘estou’ casado, porque o casamento virou condição temporária – sabe que ninguém fala besteira na cama. Ou melhor, as besteiras que se dizem na cama são as mais importantes, porque sem elas não há casamento que dure. No duro. E sem o duro, ah, meu amigo, sem ele o casamento é duríssmo, é o mesmo que morar com a mãe aos 40. Pior, porque mãe que é mãe sabe fazer sopa de feijão e nunca tem dor de cabeça.

Podia ter sido em um dos vários telefonemas que trocamos durante o dia. Nestas horas a gente fala de coisas rotineiras, lembra de uma conta a pagar (essa parte é mais monólogo, porque eu estou aqui a convite e passeio, portanto, não tenho qualquer conta a pagar), recorda que esqueceu mais um aniversário de alguém querido no Brasil, discute a última da Marisa, ou até planeja o que vai fazer para o jantar. Aliás, sobre jantar, aqui eles não cozinham ou preparam o jantar. Eles ‘fix’ o jantar. Um amigo do Wal, também casado, de vez em quando comenta o que jantou: ontem à noite a gente fixed macarrão. Coitado, a esposa cozinha tão mal que ele tem de consertar depois.

Mas também não foi no jantar que a Isa pediu para blogar algo. Foi na cama. E bem naquelas horas, sabe? Tem mulher que fala de tudo nestas horas, grita adjetivos absurdos, inventa metáforas desconsertantes, ameaça te matar, diz palavrões que deixariam enrubecidos Boccaccio (a fama é injusta), Nelson Rodrigues (na verdade, um reacionário assumido) e Carlos Zéfiro (esse sim um mestre da sacanagem). A minha fala: escreva no blog.

Tá imaginando a cena? Por favor, faça a reconstituição mental. Você lá bem naquela hora, a coisa quase acontecendo, o sangue descendo, você suado, jurando que está mandando muito bem, seus escrotinhos trabalhando a mil para fazer uma boa entrega, e a sua esposa grita: escreva no blog, escreva no blooooooog!!!!

Escreva no blog? Tá (me) gozando? Isso é coisa que se diga na cama? Claro, não preguei o olho a noite toda. E tenho de trabalhar daqui a três horas. Antes disso preciso terminar um dos apêndices da dissertação do mestrado, um trechinho de nada que está empacado há vários dias. E ainda tenho de lavar o banheiro, além da louça do jantar e café da manhã. Mas isso é pouco. Virou bobagem, querela pequena, de menos. Aliás, tudo isso agora é nada, porque a constatação é cabal e definitiva: ela tem mais prazer me lendo do que me comendo.

Alguém tem uma boa indicação de terapeuta na Carolina do Norte? Em último caso, vale até o telefone do Boston Medical Group mais próximo.

Beijos e saudades. Vou à CVS Pharmacy tentar comprar viagra sem a receita.

Imagem: Zéfiro, disponível em www.lambiek.net/artists/z/zefiro_carlos.htm