quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

A vida na flauta

A Marisa está na banda da escola. Confira aqui e à esquerda um vídeo e fotos do primeiro concerto. Fiquei emocionado quando vi a Pequena lá no palco, mas nem sempre foi assim positiva minha relação com a flauta.

Quando a Florzinha decidiu entrar na banda, achei o máximo, afinal ela já tem um teclado, que a gente inacreditavelmente trouxe do Brasil e seria ótimo ver esse trambolho em uso. Hum-hum, não, não. Para alunos da sexta séria apenas dois instrumentos estão diponíveis: flauta e clarineta. Ela optou pelo primeiro. E aí começou minha tensão. Cresci ouvindo dona Nilma reclamar que fulano queria levar a vida na flauta. Levar a vida na flauta, se não me trai o baianês, é ficar à sombra, em banho-maria, se fingir de morto (para comer o cu do coveiro, como diria um amigo gaúcho contraído em Brasília e hoje radicado no Maranhão). Deu para entender? Levar a vida na flauta é, em uma palavra, ser preguiçoso (duas, é verdade).

Pois minha filha havia decidido levar a vida na flauta. Tudo bem, não basta ser pai, tem de participar, e levei a moçoila com todos os seus hormônios e o cartão de crédito da mãe para uma peregrinação pelas lojas de instrumentos musicais. Segundo susto, sabe lá quando custa uma flauta? E das de estudante, não as profissionais? Mais do que um pay check meu lá do Wal. Mãinha devia ter se informado melhor antes de me incutir a idéia de que levar a vida na flauta é fácil.

Os lojistas são sabidos, estão acostumadas à cara de desespero dos pais quando vêem o valor e oferecem um pacote bem em conta de aluguel com opção de compra. Você paga US$ 40 por mês e depois de 214 anos a flauta, ou o que sobrar dela, é sua. A vantagem é que o leasing inclui um seguro para consertos. Eu pensei: e que defeito pode apresentar uma flauta? Não se passaram três meses para a resposta chegar.

A dita cuja vem desmotanda em três peças em um estojo metido a besta. Toda vez que quer praticar, e isso acontece diariamente na escola pela manhã e à tardinha em casa, fora fim-de-semana, feriado, dia santo, dia amaldiçoado, e aquela meia horinha em que você decide dar uma pausa do estudo e tirar um cochilo, a Pequena tem de montar o instrumento.

Esse processo constante de tira e põe causa um desgaste. O moço da loja disse que o ideal é deixar o instrumento armado o tempo todo, ereto em um pedestal, ofereceu até o pedestal por módicos US$ 16, plus tax. Ereto o tempo todo? Essa flauta é um troço muito avançadinho para minha inocente filhota de 12 anos incompletos.

Depois de quase três meses dando duas obrigatórias por dia, mais as de lazer do sábado e domingo, a flauta deu sinal. Papai, me grita a Marisa lá do quarto enquanto eu tentava traçar um paralelo entre Freire e Knowles no texto do mestrado, não consigo fazer a cabecinha entrar no corpo. Eu gelei, sou um pai moderninho, mas tem limite, tem coisa que prefiro (assim como em relação à patroa) não saber, muito menos ensinar. Vou ao não vou ao socorro da mocinha? Papai? Tá apertado, tá difícil fazer entrar...

Respirei fundo, fiz a sempre aconselhável contagem regressiva de 10, e revelei: meu amor, tenta com jeitinho, que entra. Papai, tá duro demais, é muito apertado, você não pode vir aqui me ajudar? Pequena, o papai tá ocupado (e eu disse isso como se ela ainda tivesse cinco anos), tenta com cuidado, põe só a pontinha, com jeito, depois que a cabeça passa, o resto vai que é uma beleza.

Três minutos depois, Papai, não tem como, é impossível fazer esse negócio entrar, esse buraquinho é muito apertado. A frase me pareceu hereditária, e resolvi abrir o jogo: Marisete, dá uma cuspidinha minha filha, que entra, garanto, a cuspidinha é batata.

Mas não teve jeito, a cuspidinha não foi suficiente e desde a gravidez a gente não tem KY em casa. Sou daqueles que, indagado sobre o que levaria para uma ilha deserta, rebate na lata: KY e Super Bonder. O que nessa vida não for resolvível com KY ou Super Bonder, esquece.

E lá se foi a flauta para a recauchutagem. Voltou novinha, cabeça entrando no corpo de primeira, que nem quiabo no caruru. É a evolução, até flauta já faz períneo. E pago pelo plano de saúde.