segunda-feira, 3 de maio de 2010

Olá pessoas,

Tem bastante tempo que não levo uma multa. Ou tinha. Ontem fui premiado com minha primeira infração de trânsito na terra-da-polícia-em-todo-lugar. Melhor, a primeira flagrada, porque burlas já as fiz aos montes. Adoro, por exemplo, não parar nas placas de stop se não tiver outros carros na área. Simplesmente não vejo razão para frear completamente numa esquina descampada, se claramente não há em quem bater.

Nem lembro quando foi minha última multa real, porque a mais recente foi há uns dois anos e pouco ainda no Brasil. Mas eu era inocente, apenas fui laranja para uma amiga que, embora com pontos estourados, insistia em atropelar os pardais de Brasília.

Pois sim, ia eu ontem alegremente trabalhar no Wal às 21h45 - estou no terceiro turno desde a semana passada, das 10 da noite às sete da manhã, embora isso seja outra história - quando ouço a sirene bem no meu cangote, com todas as luzes piscantes que se tem direito. O polícia mal lançou a lanterna no meu rosto e eu já fui me explicando, é que estou atrasado para o trabalho. Para minha surpresa, "seu gualda" não estava preocupado com minha velocidade: há algum motivo para o senhor estar waving agora há pouco na pista?

Waving, waving, que diabos esse homem está falando? E ele já vistoriando o carro inteiro com o flash da laterna, a outra mão no coldre. Waving, waving, waving, surfar, ondas, há, ele deve estar dizendo que eu estava dançando na pista. Até entender o significado da palavra, ele já tinha repetido a pergunta três vezes. Eu claramente me enrolei, porque tenho alguma dificuldade em fazer duas coisas ao mesmo tempo - analisar os significados metafóricos de um substantivo inglês transformado em verbo e falar com um polícia que me aponta uma lanterna enquanto tem a outra mão na arma. Nestas horas, sou como o Ipad, uma coisinha de cada vez, que esse lance de multitarefas é muito complicado.

Finalmente processei a pergunta e só podia discordar. Lembro apenas de estar dormindo ao volante, esse papo de waving é invenção desse camarada. Me restou dizer novalmente, e gagejando, que estava atrasado para o trabalho, mas já era tarde. 'Seu gualda' disparou (palavras, apenas palavras, a arma continuava no coldre, mas sob a mão): O senhor bebeu? Desça do carro, por favor.

Por favor de polícia é fogo, né? Você nunca pode dizer não. Só que na saída outra trapalhada me incriminou mais ainda. É que meu velho Ford tem cinto de segurança transversal automático. Quando você abre ou fecha a porta ele corre num trilho e te aperta ou solta. Mas há o abdominal, que tem de ser colado e retirado manualmente. E quem vai lembrar disso sob-mira-de-lanterna-e-risco-de-ir-preso-por-embriaguez-em-outro-país? Resultado, abri a porta, o cinto do peito correu como planejou o Henry, mas eu não apertei o botão da faixa de baixo e fui catapultado às avessas. "Seu gualda" levou um puta susto e quase, quase desembainhou a pistola. Rapidamente me recuperei da bancada com a cabeça no volante, soltei o cinto e, antes que ele terminasse de sacar o revólver, fiquei em pé, mãos ao alto.

Vou repetir a pergunta, o senhor bebeu? Não, senhor, quer dizer, sim, senhor, mas não agora, senhor, mais cedo, senhor, vinho com pizza, coisa de horas atrás, mas foi só meia taça, senhor, que vou trabalhar, estou até atrasado... O senhor me faça o favor de recitar o alfabeto.

Pô, alfabeto em inglês sob essa pressão? Tentei conter o desespero - sempre confundo números e letras por aqui - e lembrei da musiquinha, quem já fez aula pode até cantar: ei, bi, ci, di, i, efi, gi...

Very funny, disse. Só que no fundo, no fundo "seu gualda" não tinha achado nada engraçado, pensou até que eu estava mangando dele (juro por deus que ouvi ele dizer are you mango me?). O alfabeto de trás para a frente, por favor, e agora. Nunca pensei em inglês com tanta clareza e agilidade como naquela hora: son of a bitch. Sem prejuízo das atividades sexuais da mãe do "seu gualda", ele falava sério a respeito do alfabeto ao contrário, seriíssmo.

Tentei argumentar, explique que em Português do Brasil não havia as letras K/Y/W, mas o cana achou outra vez que eu estava de gozação. Certamente, ele está por dentro da reforma ortogrática que nos foi imposta, deve até ter participado da elaboração, e exigiu todas as letras. Falei que eu ia me enrolar e aí é que ele ia mesmo achar que eu estava bêbado. Depois de muita luta, consegui convencê-lo a abri mão do desalfabeto em troca de andar cinco metros sobre linha reta. Ele aceitou, mas exigiu ainda que eu tocasse o nariz de olhos fechados. Perguntei se era o meu ou o dele, mas "seu gualda" realmente não tinha um pingo de senso de humor. É que, às dez da noite, o turno dele estava acabando e o meu apenas começando.

Depois de aprovado na bateria de testes, fui reconduzido ao meu carro, o policial pediu um minutinho e entrou em sua viatura de posse da minha carteira de motorista. Antes, porém, perguntou onde ou trabalhava. Wal-Mart, respondi já puto porque estava atrasado e teria de descontar o tempo no meu horário de almoço, isso lá pelas três da manhã. Coisa estranha é comer feijão de madrugada.

"Seu gualda" voltou e disse que minha documentação e a do carro estavam oquei e me entregou uma multa. Daí foi a minha vez de usar a frase: are you kidding me? Expliquei que eu tinha um part time job no Wal-Mart, que ganhava US$ 8,15 por hora, que era sustentado pela mulher e que, definitivamente, não tinha dinheiro para pagar a multa. I know, disse em tom amigável, this is just a warning ticket, it means nothing, you can throw it away. Grande figura, o "seu gualda"!

Beijos e saudades,