sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Ah, os doze...


Pois sim, este é a última e a primeira postagem do Oraite. Morre o Oraite nos Isteits e nasce o Oraiti. Se compliquei, explico. Já são três meses desde a volta da terra-do-Obamão-o-socialista e o velho Oraite continua no ar com uma última mensagem de maio. Voltamos para o Brasil em 15 de junho.

Ainda lá duas pessoas me perguntaram se o blog não teria um fim. Achei um exagero, são só dois leitores (a Isa e um tio-feirense-bancário-e-poeta), meio até dramática esse história de uma mensagem final. E o corre-corre dos últimos dias lá em Asheboro impediram a sentada. Foi duro, ninguém sabe o tanto que a Isinha comprou nos Isteits em três anos, fechamos cinco caixas de geladeira e jogamos num navio. Barco, este, aliás, perdido em algum lugar do Atlântico, se é que não foi parar no Pacífico, desviado pelo peso da carga mal distribuída no porão.

De volta ao calor do velho Planalto Central, à boa falta de (h)umi(l)dade de Brasília, um terceiro elemento me pergunta do blog. Opa, a dupla de leitores pode ser um triângulo. E veio um quarto comentário! Rapaz, ego e jornalista são sinônimos ocultos. Daí, tracei a meta: se doze pessoas perguntarem do Oraite, volto a escrever.

Fingi que esqueci o assunto e deixei a vida seguir. Procurar emprego é foda, nunca tinha feito isso. Os postos de trabalho sempre tinham me achado. E o tempo passando. Como quem não quer nada, passei a fazer um tracinho num papel na escrivaninha toda vez que alguém perguntava do blog.

Eis que o número cabalístico acaba de ser atingido. Ontem, a décima segunda pessoa me perguntou do Oraite. Tenho 12 leitores. Mais leitoras que leitores, para meu deleite e orgulho. Já estou fazendo o perfil sócio-econômico do público-alvo. Será disponibilizado em breve, logo que descobrir uma forma de fazer dinheiro com o blog. Adianto que todo mundo ganha mais do que eu, e apenas este anda de Fusca 86. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez, onze, doze. Uma dúzia. É tanta gente que não cabe nem em uma Kombi. Me sinto o próprio profeta.

Pois bem, por amor aos 12, em vez de um post-testamento, dou à luz ao Oraiti. Um apanhado do que foram os anos de América do Norte fica adiado, qualquer dia sai no novo Oraiti. E uma desculpa: tentei arrumar um nome melhor, mas fazer brainstorming sozinho é mais chato do que comer boneca inflável.

Visite o novo Oraiti.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Olá pessoas,

Tem bastante tempo que não levo uma multa. Ou tinha. Ontem fui premiado com minha primeira infração de trânsito na terra-da-polícia-em-todo-lugar. Melhor, a primeira flagrada, porque burlas já as fiz aos montes. Adoro, por exemplo, não parar nas placas de stop se não tiver outros carros na área. Simplesmente não vejo razão para frear completamente numa esquina descampada, se claramente não há em quem bater.

Nem lembro quando foi minha última multa real, porque a mais recente foi há uns dois anos e pouco ainda no Brasil. Mas eu era inocente, apenas fui laranja para uma amiga que, embora com pontos estourados, insistia em atropelar os pardais de Brasília.

Pois sim, ia eu ontem alegremente trabalhar no Wal às 21h45 - estou no terceiro turno desde a semana passada, das 10 da noite às sete da manhã, embora isso seja outra história - quando ouço a sirene bem no meu cangote, com todas as luzes piscantes que se tem direito. O polícia mal lançou a lanterna no meu rosto e eu já fui me explicando, é que estou atrasado para o trabalho. Para minha surpresa, "seu gualda" não estava preocupado com minha velocidade: há algum motivo para o senhor estar waving agora há pouco na pista?

Waving, waving, que diabos esse homem está falando? E ele já vistoriando o carro inteiro com o flash da laterna, a outra mão no coldre. Waving, waving, waving, surfar, ondas, há, ele deve estar dizendo que eu estava dançando na pista. Até entender o significado da palavra, ele já tinha repetido a pergunta três vezes. Eu claramente me enrolei, porque tenho alguma dificuldade em fazer duas coisas ao mesmo tempo - analisar os significados metafóricos de um substantivo inglês transformado em verbo e falar com um polícia que me aponta uma lanterna enquanto tem a outra mão na arma. Nestas horas, sou como o Ipad, uma coisinha de cada vez, que esse lance de multitarefas é muito complicado.

Finalmente processei a pergunta e só podia discordar. Lembro apenas de estar dormindo ao volante, esse papo de waving é invenção desse camarada. Me restou dizer novalmente, e gagejando, que estava atrasado para o trabalho, mas já era tarde. 'Seu gualda' disparou (palavras, apenas palavras, a arma continuava no coldre, mas sob a mão): O senhor bebeu? Desça do carro, por favor.

Por favor de polícia é fogo, né? Você nunca pode dizer não. Só que na saída outra trapalhada me incriminou mais ainda. É que meu velho Ford tem cinto de segurança transversal automático. Quando você abre ou fecha a porta ele corre num trilho e te aperta ou solta. Mas há o abdominal, que tem de ser colado e retirado manualmente. E quem vai lembrar disso sob-mira-de-lanterna-e-risco-de-ir-preso-por-embriaguez-em-outro-país? Resultado, abri a porta, o cinto do peito correu como planejou o Henry, mas eu não apertei o botão da faixa de baixo e fui catapultado às avessas. "Seu gualda" levou um puta susto e quase, quase desembainhou a pistola. Rapidamente me recuperei da bancada com a cabeça no volante, soltei o cinto e, antes que ele terminasse de sacar o revólver, fiquei em pé, mãos ao alto.

Vou repetir a pergunta, o senhor bebeu? Não, senhor, quer dizer, sim, senhor, mas não agora, senhor, mais cedo, senhor, vinho com pizza, coisa de horas atrás, mas foi só meia taça, senhor, que vou trabalhar, estou até atrasado... O senhor me faça o favor de recitar o alfabeto.

Pô, alfabeto em inglês sob essa pressão? Tentei conter o desespero - sempre confundo números e letras por aqui - e lembrei da musiquinha, quem já fez aula pode até cantar: ei, bi, ci, di, i, efi, gi...

Very funny, disse. Só que no fundo, no fundo "seu gualda" não tinha achado nada engraçado, pensou até que eu estava mangando dele (juro por deus que ouvi ele dizer are you mango me?). O alfabeto de trás para a frente, por favor, e agora. Nunca pensei em inglês com tanta clareza e agilidade como naquela hora: son of a bitch. Sem prejuízo das atividades sexuais da mãe do "seu gualda", ele falava sério a respeito do alfabeto ao contrário, seriíssmo.

Tentei argumentar, explique que em Português do Brasil não havia as letras K/Y/W, mas o cana achou outra vez que eu estava de gozação. Certamente, ele está por dentro da reforma ortogrática que nos foi imposta, deve até ter participado da elaboração, e exigiu todas as letras. Falei que eu ia me enrolar e aí é que ele ia mesmo achar que eu estava bêbado. Depois de muita luta, consegui convencê-lo a abri mão do desalfabeto em troca de andar cinco metros sobre linha reta. Ele aceitou, mas exigiu ainda que eu tocasse o nariz de olhos fechados. Perguntei se era o meu ou o dele, mas "seu gualda" realmente não tinha um pingo de senso de humor. É que, às dez da noite, o turno dele estava acabando e o meu apenas começando.

Depois de aprovado na bateria de testes, fui reconduzido ao meu carro, o policial pediu um minutinho e entrou em sua viatura de posse da minha carteira de motorista. Antes, porém, perguntou onde ou trabalhava. Wal-Mart, respondi já puto porque estava atrasado e teria de descontar o tempo no meu horário de almoço, isso lá pelas três da manhã. Coisa estranha é comer feijão de madrugada.

"Seu gualda" voltou e disse que minha documentação e a do carro estavam oquei e me entregou uma multa. Daí foi a minha vez de usar a frase: are you kidding me? Expliquei que eu tinha um part time job no Wal-Mart, que ganhava US$ 8,15 por hora, que era sustentado pela mulher e que, definitivamente, não tinha dinheiro para pagar a multa. I know, disse em tom amigável, this is just a warning ticket, it means nothing, you can throw it away. Grande figura, o "seu gualda"!

Beijos e saudades,

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Novos álbuns

Olá, pessoas.

Aí na esquerda há agora três apresentações de fotos. O domínio dessas coisinhas de tecnologia não é minha especialidade, aliás, sequer desejo - tenho apenas resignação, então, é meio bagunçado mesmo.

Na verdade, a Isa teve de pôr as fotos no Picasa dela (olha o respeito!) e liberar aqui no Oraite. Legendas, quando há, foram da Isinha também.

O primeiro grupo de imagens é do domingo da Páscoa em Washington. Aliás, vimos a comitiva do Obamão saindo para a Igreja. Quinze carros. Eu aposto que ele era o primeiro batedor, na moto.

Na sequência há registros da viagem que fizemos mês passado para Charleston, Carolina do Sul. Ótima comida e arquitetura histórica, mas o melhor foi visitar a reprodução de uma base no Vietnã e o porta-aviões e submarino, ambos da Segunda Guerra. Perceba a mudança de temperatura de um mês para o outro. Nevou em março em muito lugar e agora dá para andar sem camisa pelas ruas (não fosse o pudor moralista reinante - uma família daqui teve de pôr sutiã numa estátua de gelo no jardim porque os seios estavam visíveis, deu polícia e tudo mais).

Por fim, há ainda fotos da Flórida, de dezembro: Miami, Hollywood Studios, em Orlando, e base da Nasa, em Cabo Canaveral.

Clicando em qualquer um deles você pode navegar por todos, com as imagens em tamanho maior e opção de slide show.

Beijos e saudades,

terça-feira, 13 de abril de 2010

Sobre tíquetes e bancos


Olá, pessoas!

Está dado o passo definitivo para a volta: a compra das passagens. Estamos, eu e Isa, de tíquetes em mãos para 14 de junho, no novo vôo Atlanta-Brasília. Marisa fica por aqui mais um tempo, deve voltar em 12 de julho. Entre uma data e outra, a Pequena vai participar de um summer camper de teatro. Vão encenar Mogli, o Menino Lobo. Por aqui eles chamam de The Jungle Book, o que mostra que uma boa tradução pode melhorar o título.

Chegaremos no dia 15, justamente estréia do Brasil na Copa. Eu, que nunca dei muita bola para futebol (entendeu o trocadilho? Sinapses, sinapses...), nunca esperei uma partida com tanta ansiedade.

Por aqui estamos em pleno ritmo de volta, a casa começa a esvaziar, à medida que vendemos os móveis ou despachamos caixas e mais caixas com tudo que a Isa comprou na terra-do-você-sempre-pode-ter-mais. Acho que agora ela tem roupa para seis meses sem repetir uma peça. Fora as bolsas.

Na operação desmonte encontrei as provas do meu primeiro roubo, cometido em um banco aqui de Asheboro. Sim, já roubei um banco, aliás, várias vezes. Tá bom, antes de explicar tenho de confessar que não foi exatamente o primeiro roubo. Fazendo uso da absurda prescrição de crime existente no Brasil, vou revelar o ocorrido há mais de 20 anos.

Era final dos 70 ou início dos 80 e morava vovó Maria (essa é a Maria materna, porque a paterna também chamava Maria) num casarão na Avenida Senhor dos Passos, a principal de Feira de Santana naqueles idos. Quando alguém dizia que estava "indo para a rua", queria dizer que ia à Senhor dos Passos ou vizinhanças. A tal casa ficava sobre uma loja na qual décadas antes meu avô tinha uma sapataria. Do outro lado da rua esse mesmo meu avó foi assassinado a tiros, bem diante dos olhares de mainha e de um dos meus tios, que esperavam a chegada do pai da sacada. Não conheci o vovô e até hoje não sei o porquê de o mataram, mas hoje ele é nome de rua lá em Feira.

Sim, ao crime, porque se for contar a história da família ou as consequências do assassinato o espaço acaba. Domingo íamos sempre almoçar na casa de vovó Maria. Semana na casa da paterna, semana na casa da materna, mas sempre vovó Maria. Aliás, a escolha da vovó Maria a visitar era tema de brigas constantes. Minhas recordações de Natal incluem meu pai de cara amarrada porque estava ou tinha de ir à casa da outra Maria. E olha que se tem alguém sem o direito de reclamar de sogra é seu Fernando.

A sapataria, sem o vovô, faliu e vovó Maria passou a alugar o espaço. Não sei se antes de mim outra coisa operou naquele lugar, mas desde que me conheço por gente funciona lá a bomboniere da dona Odete. O nome deve ser outro, mas é definitivamente uma bomboniere e a dona é a dona Odete. E esses almoços eram do tempo em que domingo era domingo, com missa, lojas fechadas, famílias reunidas e tudo mais.

Vovó Maria sempre fazia pratos que só de pensar me enchem a boca d'àgua - como a macarronada, o frango assado ou o fígado ao molho (sim, fígado pode ser delicioso), seguidos de um pudim que nunca encontrei igual em qualquer lugar. Mas a sobremesa da molecada era mesmo no depósito da dona Odete. Como antes a loja era da família, havia no quintal uma porta de acesso ao estoque da então sapataria. Sem muito esforço a gente arrombava a porta e fazia a festa. Pronto, depois da confissão só me restam dois pai-nossos e cinco ave-marias para ser perdoado.

De volta ao banco. Há aí nesta foto umas dúzias de canetas e lápis. Não mais do que cinco ou seis foram compradas. As outras foram apenas surgindo, a maioria trazida pela Isa como brindes de atividades docentes. Eu dei alguma contribuição.

Recebo o pagamento do mercado do Wal quinzenalmente e vou direto ao drive-thru do banco depositá-lo na conta da Isinha. Mas não é o suficiente - o Wal-Mart é um histórico e famoso mau pagador, ela ainda exige que eu lave as roupas, o banheiro e a louça. O divertido do banco de dentro do carro é que para mandar e receber papéis a gente usa essas cápsulas de acrílico em um tunel de ar comprimido. Me divirto profundamente cronometrando o tempo de ida e vinda da cápsula.

E a moça do caixa sempre me mandava o casulo de volta com uma caneta dentro. Oba, brinde, bolígrafo no bolso. E foi assim por vários meses, até que uma dia a jovem me interfonou, e da janelinha eu vi o sorriso delicado no rosto da bancária:

- Seu Marico (aqui todo mundo me chama de Marico, eles simplesmente não conseguem pronunciar meu nome), o senhor poderia fazer a gentileza de, desta vez, não levar a caneta do banco?

Beijos e saudades,

quarta-feira, 7 de abril de 2010

sexta-feira, 2 de abril de 2010

O blog da Pequena



Eu devo realmente estar ficando velho.

Não, não, não que eu ache isso ruim. Muito pelo contrário, envelhecer é um prazer inesperado. Me sinto melhor a cada dia, fora uma dorzinha aqui, outra ali, o crescimento da barriga e a queda de cabelos. Eu tinha decido fazer tratamento contra calvice, só que o médico disse que o maior efeito coletaral era o risco de diminuição do desempenho entre quatro paredes. Nunca mais voltei ao consultório do cidadão. Achei que a careca me cairia bem, mais do que eu, a Isa, que passou ela mesma a raspar minhas madeixas, um gesto desesperado para esconder a clareira que se abre no centro do cucuruto.

Eu dizia que a juventude é enfadonha, uma espécie de pressa-lenta que nunca termina, é como tentar correr a maratona no ritmo dos 100 metros. O jovem é um cochilo do divino, quase um erro da natureza. Vai ver Deus era muito novo quando fez o mundo. Se fosse mais experiente, o Criador teria incluído um período sabático no nosso amadurecimento. Não, sabático é coisa de rico em crise de meia idade. O melhor mesmo seria uma hibernação. É, todo mundo devia hibernar dos 18 aos 32 anos. Daí a gente acordava pronto para a vida, depois de ter curtido a infância e sem o imediatismo bobo da casa dos 20. Durante esse período cada um curaria todos os traumas de infância, para desespero dos psicólogos, que agora teriam de mudar de ramo. Aliás, se a hibernação-amadurecedora existisse, a profissão sumiria. Não sei se o mundo seria melhor sem psicólogo, mas com certeza eu economizaria um dinheirão em terapia.

O fato é que, apesar de ter apenas 36, me sinto completamente de outra época. Tudo mudou tanto nestas duas últimas décadas que estou quase obsoleto, superado, um objeto do século passado. E o século passado tá ali, se a gente olhar para trás ainda o vê na esquina. Só que agora dez anos parecem uma eternidade.

Uma das coisas diferentes hoje é a relação pai/mãe-filho/filha. Me lembro de ter um medo enorme de meu pai, quando ele ia chegar do trabalho a gente tinha de estar em casa e de banho tomado, com a tarefa da escola pronta. Essa última parte eu furava, mas no resto seguia o mandamento à risca. E a gente apanhava também. Lá em casa, não do pai, mas da mãe. Melhor, eu disse a gente, mas devo corrigir: eu apanhava. Minhas irmãs e o irmão nunca fizeram por merecer. Mas eu lembro de ter levado surras quase homéricas de dona Nilma nos anos 70 e meados dos 80.

Não quero discutir o efeito educativo da palmada, mas era um direito dela me bater e pronto, ninguém discutia isso. Parêntese. Vou avisar logo aos saudosos da pancada que não existe esse tal de corretivo físico, mainha sofria bem mais do que eu nas surras. Eu vou te bater! Tá aqui ó, eu trouxe o seu tamanco - e esticava a mão aberta. Uma, duas, três, dez chineladas e nada. A senhora cansou, o braço tá doendo, acha melhor buscar o cinto de painho? Em mim não fez nem cosquinha... Fecha parêntese.

Agora não, a coisa está mais complicada. Outro dia, a Isa apertou o braço da Marisa e foi um escarcel, a Pequena saiu me gritado a mamãe me bateu, a mamãe me bateu! Se ela tivesse visto as surras que eu levei... Mas a Isinha nem tinha encostado o dedo na guria, apenas segurou o braço com um pouco mais de força, nem a marca dos dedos ficou. Pois a menina ficou apavorada, com cara de eu-vou-te-denunciar-ao-SOS-Criança.

Outro novidade é o castigo escolar. Eu já fiquei muito tempo de pé com a cara na parede. Também já escrevi dezenas, centenas de vezes no quadro negro (que por onde passei - e são quase três décadas de escola em uma dúzia de instituições - sempre era verde) 'não vou mais puxar o cabela das meninas' ou 'não devo chutar a pró'. Pró é como baiano chama a professora, é que dá uma preguiça danada dizer essa palavrona toda. E passei horas sentado na cadeira do burro. Não só sentado, mas usando um chapéu enorme feito de cartolina que tinha até as orelhas do burro. As orelhas podem até ser uma traição da minha memória floreada, talvez até todo o chapéu, mas que a cadeira de burro existia, existia.

Eu ainda ia dizer que apanhei de palmatória na escola, mas essa eu tenho certeza que é filha da minha imaginação. Por outro lado, no colégio de Salvador onde eu terminei o primeiro grau, lá pelos 14 anos, os alunos tinham de ficar em pé toda vez que um adulto entrava na sala. E só podia sentar quando, e se, a pessoa liberasse. E nem era colégio militar ou de freira.

Hoje a vida da molecada é muito mais mole. A Marisa está sob punição escolar. Calma tio e tias CDFs, a sobrinha continua seguindo os passos de vocês e já está passada de ano, como manda a tradição familiar que vocês criaram e esqueceram de me avisar (e, principalmente, de deixar um restinho do gene para mim). É que estamos de férias, chegamos hoje a Washington, DC e só voltaremos para casa no dia 11. Aqui há o que eles chamam de spring break, uma pausa de uma semana nas aulas para comemorar a chegada da primavera. Lembram dos dias sem aulas que a Pequena passou em casa por causa da neve? Pois sim, o castigo, como dizia toda Nilma, sempre volta a cavalo. A neve de janeiro reduziu o recesso de abril para meia semana. Como a gente já tava com hotel pago, viemos assim mesmo. Só que como na terra-do-hamburger-e-fritas-no-lanche-escolar faltar aula dá assistente social na sua porta e até cadeia para os pais, Marisa foi obrigada a escrever um relatório diário da viagem.

Nesses tempos muuuudernos, o formato escolhido, sem gasto de papel e obtenção de 314 créditos de carbono, foi o blog. O endereço da página da Florzinha é www.iaroundtheglobe.blogspot.com, mas você pode clicar aqui que eu te levo lá. Resumindo, eu dei essa volta toda para dizer: tem blog novo na área, vá lá e deixe um comentário.

Beijos e saudades,

(imagens: www.clasesparticulares-madrid.es e www.eb23-cmdt-conceicao-silva.rcts.pt/sev/hgp)

segunda-feira, 29 de março de 2010

Doze anos


Quem tem filho já passou por isso, ou vai passar.

Quem não tem, está livre do constrangimento. Livre também de muitas outras coisas, como a primeira noite. Ah, a primeira noite. Ô, enfermeira, chega aqui por favor. É assim mesmo, faz esse barulho todo quando dorme? E o tamanho, tô achando ela muito pequena, só quarenta e poucos centímetros, dois quilos e quatrocentos, tem como pesar de novo, não tô confiando nessa balança não, a mãe engordou 19 quilos, posso pesar ela aqui embaixo na farmácia? Dona enfermeira, a senhora me desculpe ficar chamando toda hora, é normal esse roxo em volta do olho, e de um olho só? Mainha vai achar que eu já deixei ela cair... Eu sei que a senhora pediu para só apertar o botãozinho em caso de emergência de verdade, mas é sério, o peito dela não sobe e desce, tem como conferir se tá respirando, se o coração tá batendo, pode deixar um estetoscópio aqui comigo? Enfermeira, enfermeira, estou sendo meio chato, mas garanto que esta é a última, tô preocupadíssimo, essa menina nasceu tem 19 horas e só faz dormir, até para mamar foi dormindo, não é possível, tudo bem que ela é filha de baiano, mas tem limite, né não?

Antes até, quem não tem filho está liberto da primeira imagem. Aquele exato momento em que você vê a figurinha pela primeira vez. O médico mostra todo orgulhoso: olha aí, Marcio, a dona Marisa, saudável e, para tranquilizá-lo, com só cinco dedos em cada mão, os mesmos apenas cinco que apareceram em todas as ecografias, apesar da sua desconfiança. Gente, tá toda amassada, e olha que foi cesária... É essa mesmo, o senhor acompanhou tudo, doutor, não trocaram não, né? Tem como amarrar uma fitinha do Senhor do Bonfim para não misturar?

Falar que a primeira imagem é a que fica é ridículo. Se, quando fecho os olhos para as orações no fim do dia, o rosto da Florzinha que me aparecesse fosse aquele de filhote-de-sharpei-com-dor-de-bariga, certamente eu teria pesadelo toda noite. Pessoas, eu estou falando sério, a menina não tinha cabeça, era um cone que mais parecia um ovo de avestruz. E cabia inteirinha na palma de minha mão.

Os não-pais também são poupados do primeiro banho. É assim, sua sogra resolve visitar parentes em outro estado justamente na semana do parto, aí você traz sua mãe da Bahia para ajudar nos primeiros dias, já que nem você ou sua esposa tocaram em um recém-nascido antes. Tudo certo, vocês voltam para casa depois de dois dias no hospital. No fim do dia, sua mãe pergunta: e quem vai dar banho nela? Como assim, mainha, quem vai dar banho nela, a senhora é mãe de quatro? Ah, meu filho, eu nunca dei banho em vocês nessa idade não, quem fazia isso era sua tia Anete. O quê? Por que a senhora não falou antes? Eu importei a pessoa errada! E lá vai você sozinho, a esposa toda estrupiada em um pós-cesária complicadíssimo, dar o primeiro banho.

Outra de que os não-pais são poupados é do ensino a pedalar. Papai, eu vou cair? Vai, com certeza. E vai machucar? Pode ser que sim, pode ser que não. Você vai segurar? Vou, até você conseguir se equilibrar sozinha. Então, tá, não solta não. Vai pedalando, Pequena, vai pedalando. Não solta, papai, não solta. Tô segurando, menina, tô segurando, oxente! Segura, Papai, segura, que eu não consigo ficar sozinha, não solta, não solta! E você, que já está só assistindo há uns 15 metros, se desespera: eu esqueci de explicar como faz a curva...

Quem não é pai também fica livre das fraudas. Mainha diz que cocô de bebê não fede, só se foi o dos filhos dela, porque o da Marisa era phooooda. Pior que o dela, só o dos outros. Estava a Pequena feliz da vida na piscina de bolinhas do shopping, a mãe às compras. Daí a funcionária do parquinho, meio sem jeito, moço, acho que sua filhinha fez cocô... Não, não era dela. Algum bunda-mole cagou a piscina de bolinha inteira. Caos total, parque interditado, cinco funcionários em volta e sua filhota toda embostalhada, e com a merda dos outros. E a mãe, que levou a tradicional sacolinha de fraudas e roupas extras, ainda fica sem bateria no celular.

E os primeiros passos? Só não sendo pai para saber a tranquilidade que é a vida sem os primeiros passos. Olha a mesa, ela tá indo no rumo da mesa, vai bater bem na quina! Isa, ela ta correndo em direção à parede, segura. Calma, meu amor, ela vai parar. Puf, tá lá o galo crescendo. Minha senhora, pelamordedeus, me desculpe, é que ela está aprendendo a andar e só para quando atinge um obstáculo sólido, no caso, suas pernas.

Quem não é pai está livre destas e de muitas outras, mas quem tem prole um dia tem de respoder à pergunta: como eu nasci?

Depois de todas as enrolações de praxe - cegonha, abóbora, sementinha, roda dos enjeitados, como hoje a Marisete completa 12 anos, é hora de contar a verdade. Pequena, você chegou voando, como fazem todos os anjos.

Quem não é pai da Marisa, está livre de ser feliz.

Beijos só para a Florzinha, saudades de todos,

segunda-feira, 8 de março de 2010

Recicláveis e afins

Olá, pessoas.

Hoje foi dia de biblioteca. Toda semana passo uma manhã trabalhando na gloriosa Biblioteca Pública de Asheboro. Saio de lá sempre abastecido, com as novidades do mercado editorial do Tio Sam e as previsões do tempo para o resto da semana. Também fico sabendo quem foi eliminado no American Idol e as últimas maldades do Desperate Housewives. É incrível a variedade de assuntos que bibliotecários gostam de discutir. A diretora sonha em se aposentar. Pessoa adorável, diz que precisa de tempo para... ler. Bibliotecário faz de tudo, menos ler.

Eu, como voluntário, tenho o privilégio de ler uma ou duas páginas dos livros que me passam pelas mãos. Nem sempre dá tempo, mas ao menos a orelha eu pesco. Eu ponho códigos de barras e capas. Já estou lá há tanto tempo que tenho até mesa e todo o trabalho de adesivos é acumulado para o dia da minha visita semanal (o quê, com a proximidade da minha volta ao Brasil, virou um problema - quem vai assumir o serviço?). Isso me garante acesso a todos os livros novos que entram na biblioteca, uma média de uns 200 por semana. Na verdade, não só para a biblioteca daqui. Asheboro é a sede do condado e os livros para as seis libraries da região são distribuídos a partir dela.

Impressionante a quantidade de lançamentos e as características do mercado editorial da terra-do-livro-descartável. Mas não é nada disso que eu queria dizer. Eu falava que hoje foi dia de biblioteca e me perdi antes do complemento: dia de biblioteca e de reciclagem. Juntamos aqui durante a semana todos os recicláveis e no dia da biblioteca levo para o Centro de Reciclagem. Lá há diversos contêineres para os variados produtos, revista, jornal, sacola plástica, plástico transparente, pet, galão de leite, vidro incolor, vidro verde, vidro marrom, lata de alumínio - desde que não contenha alimentos, lata de alumínio usado em alimento, lata de outros metais - não pode as de spray. E assim vai. Tem tanta opção de depósito que a primeira vez que fui lá levei mais de uma hora só para separar tudo o que eu tinha levado (agora já faço isso em casa, muito mais prático).

Meu sonho é ver o caminhão levando tudo aquilo embora. Já percebi que os contêineres são esvaziados todos de uma vez só, porque ficam cheios ou vazios mais ou menos ao mesmo tempo. Tenho pesadelos horríveis com a coleta sendo feita por apenas um caminhão, juntando tudo que eu e os outros tivemos tanto trabalho para separar. O motorista, vestindo uma camiseta do Wal-mart suja e cheia de buracos, dá gargalhadas com o palito no canto da boca, enquanto joga tudo na mesma caçamba.

Hoje a minha cesta de recicláveis foi bem fraquinha, só garrafas de água, leite e suco. A gente comeu muito fora na semana passada e a Isa também não foi ao shopping, o que me poupou de muitas coisas. Eu disse poupou, mas o melhor seria tolheu. Há uma espécie de guerra fria entre quem vai ao Centro de Reciclagem. Todos querem ter mais recicláveis do que o outro. E a gente sua a camisa enquanto vai e volta do carro para os diferentes contêineres. É a tradicional hora da cara-de-caramba-é-um-trabalho-da-porra-salvar-o-mundo. Tem uns espertinhos que levam os jornais de toda a vizinhança, só para aumentar o volume. Também não basta reciclar, tem de ser visto. Puta sacanagem. Eu mesmo já fiquei 15 minutos parado na esquina esperando outro carro chegar só para fazer minhas entregas. Ora, eu estava com o porta-malas abarrotado e ia jogar tudo lá assim, de graça, sem ninguém ver?

Como hoje só tinha uma mera sacola de mão com garrafas, fui meio envergonhado. Estava quase torcendo para não encontrar ninguém. Já pesa contra mim o fato de ser o mais novo da turma, nenhum outro reciclador tem menos de 60 anos. A meu favor está o fato de dirigir um carro que faz 32 milhas por galão, enquanto eles têm suas 4X4 de 22 milhas. Entro no Centro - que na verdade é um lote vazio com cascalho no chão e contêineres alinhandos em três laterais - e vejo que há uma Cherokee branca estacionada com a porta traseira aberta. Merda, vou passar vergonha, esse cara deve estar carregadíssimo e eu com essa meia dúzia de dez garrafas. Pensei em voltar depois, decidi encarar.

Desço do meu carro já com a sacola na mão, era tão pouca coisa que nem foi preciso o porta-malas. Foi aí que percebi que meu adversário estava sentado no fundo do carro. Era um senhor de uns 70 anos. Uma das poucas vantagens dos norte-americanos sobre nós é que eles envelhessem bem, na ativa. Já duelei, e perdi, com senhoras na casa dos 90 carregando cestos e cestos de recicláveis. Mas meu oponende de hoje nada carregava. Estava sentado na beirinha de um amplo porta-malas repleto de recicláveis(perdi mais uma). E chorava.

Chorava, chorava e não um choro qualquer, chorava com gosto, lágrimas escorrendo, o colarinho da camisa começando a encharcar. Fiquei puto da vida de não ter um lenço para oferecer, meu pai sempre tinha um lenço no bolso. O mundo era melhor quando os homens carregavam lenços. Sem o lenço, me restou perguntar se estava tudo bem. Depois da pergunta me senti um idiota, como é que você encontra alguém em prantos e pergunta se está tudo bem? Devia ter indagado se ele precisava de alguma ajuda.

Respondeu o senhor que era a primeira vez que ele ia sozinho ao Centro de Reciclagem. Morreu-lhe a esposa. Senti o impacto, pus minha socolinha no chão e sentei no outro cantinho do porta-malas, mãos sob as coxas e pernas balançado no ar. Mais de quarenta anos juntos, 43 para ser exato. Faziam tudo lado a lado, coleta, separação e depósito dos recicláveis. Antes até, porque só iam em dupla ao Wal-mart. Também só comiam juntos. De lembrança em lembrança, me contou muitas coisas. Disse, para resumir, que o mais difícil é ver o quanto a casa fica calma sem ela, ele que passou tanto tempo pedindo um pouco de paz para ler o jornal.

Limpou os olhos, agradeceu profundamente (não sei o quê, porque eu só ouvi), e começou a pegar os recicláveis. Ainda perguntei se queria ajuda para depositar, ele declinou. Disse que era algo que precisava enfrentar sozinho.

Beijos e saudades,

domingo, 21 de fevereiro de 2010

A última de CDF

Olá, pessoas,

Ao diabo a greve. Enfrentarei-a heroicamente, eu e minhas mãos, que nesses assuntos sou ambidestro.

Parêntese. Antes de seguir tenho de admitir que me apavora a tal unificação da Língua Portuguesa. E se eu estiver escrevendo tudo errado? Ainda existe próclise, ênclise e mesóclise? E acento, como fica? O poeta de Feira – douto na língua de Camões e outros bichos, me mandou um arquivo com os detalhes das mudanças, certamente apavorado pelos impropérios que tenho cometido aqui. Mas eu ainda não tive coragem de abrir. Pode ser que aumente ainda mais o meu trauma escolar, que é exatamente, e de novo, meu tema hoje. Fecha.

Eu dizia que vou encarar a greve de peito aberto e mão fechada para voltar a falar do tema que a patroa-breadwinner-comandante-em-chefe-e-censora-nas-horas-vagas disse que não posso tratar. Sim, CDF. Ou melhor, o contrário: FDC, Fracasso Da Casa.

A essa altura já é público que meu irmão mais velho e minhas duas irmãs mais novas são geniais. CDFs de carteirinha, diploma de honra ao mérito e placa de homenagem. Um horror, tiram 10 até em educação física, ensino religioso e EMC, a temível Educação, Moral e Cívica. Sobre meu irmão ainda pesa outra vitória estrondosa: é um excelente goleiro, disputado aos tapas e promessas de “eu pago o chope, eu pago o chope” em todos os babas que participa, enquanto eu vivo na idade média do futebol: ainda não tenho certeza de que a bola seja redonda. Baba é a palavra baiana para pelada (deu para entender? Ah, o futebolês).

Mas eu perco o foco aqui, o trauma do futebol fica para outro dia, hoje só o escolar. Eu, sobre ele e elas, tenho apenas duas vantagens, tamanho e documento. Sou o mais alto da casa e os três se divorciaram, enquanto eu permaneço bravamente agarrado a uma certidão de casamento lavrada em 7 de janeiro de 1995. Ou terá sido no dia 5? Mas foi em janeiro de 95, com certeza.

Eu tenho o chamado recesso do lar, para onde volto alegremente após bater o cartão no fim do expediente. Eu ia dizer que abro a porta e dou de cara com uma esposa linda e cheirosa me esperando para o jantar. Mas esses foram outros tempos, aqueles em que se amarrava cachorro com linguiça, como diz Mainha, porque aqui quem faz a janta sou eu. E depois ainda lavo os pratos e varro a casa – desculpa ficar na frente da TV, querida, levanta os pés só um pouquinho; você tem de fazer isso agora? Traz outro martini pra mim, vê se não esquece a cereja de novo.

Já meus irmãos, vivem por aí como solteiros novamente, saindo com quem bem entendem e fazendo refeições e lavando a roupa na casa de dona Nilma e seu Fernando. Eu disse que tinha duas vantagens sobre eles, mas talvez tenha errado a conta.

Errar a conta é comigo mesmo. Tenho tido pesadelos sinistros por causa do zero em matemática. Não pelo zero em si, assunto que há anos é tema das minhas sessões, mas por ter exposto o fracasso escolar aos quatro ventos. Embora eu tenha plena certeza de que quase ninguém lê o blog, fico sonhando com isso. Na semana passada, sonhei, ou pesadelei, se me permitem, que voltava a Brasília e não conseguia emprego. Tinha passado uma lei exigindo teste de QI e histórico escolar para trabalhar como jornalista. Sabe como é, né, Marcio?, com esse seu histórico aí fica difícil para a gente te contratar, zero em matémática, 1,1 em redação, por mais que a gente goste de você, a gente desconhecia esse seu lado e realmente não dá. E lá ia eu, trabalhar no Wal-Mart. Ao menos agora eu entendia tudo que os clientes perguntavam.

Mas o pior me chegou nesta madrugada: sonhei que desembarcava de volta ao Brasil no Aeroporto de Brasília e tinha uma porrada de gente me esperando. Feliz e emocionado, corro de braços abertos, mas não eram meus amigos, e sim uma mega ação da Polícia Federal, que como também é público só acontece à luz de holofote. Eu era imediatamente preso, algemas, câmaras, tudo que se tem direito. Tinha eu a honra de ser o principal acusado da Operação Jumento. E eu dizia ao policial, deve ser engano, só pode ser, o meu é normal, padrão, nada demais, tamanho M e olhe lá, até me envergonha de vez em quando, a esposa pode confirmar, fale com ela... Só depois eu entendia que o jumento do título não era uma metáfora, e sim um sinônimo.

Beijos e saudades,

terça-feira, 16 de fevereiro de 2010

Preocupação profunda


Olá, pessoas.

Ah, a vida sem o mestrado!

(E acrescento: e às custas da mulher, sem se preocupar com contas)

Hoje, finalmente, tive tempo para tentar solucionar um dos problemas que mais me atormentam desde que aterrei na casa do tio Sam. Além de cachorro quente sem molho, de um 'foot'ball jogado com as mãos, de café gelado, de televisão com 200 polegadas e de espingarda carregada atrás da porta, norte-americanos também são loucos por gel de sílica.

É quase inacreditável o quanto gel de sílica eles usam aqui. Você abre a caixa de um computador e tá lá, vários saquinhos. Natal? Pode comprar sua cesta de guloseimas e ele vai estar lá. Brinquedo novo para a filhota? A sílica vem de brinde. Até nos pacotes de comida tem. Vai dar uma maquiagem nova para a patroa? Se prepare para juntar mais um saquinho ou dois. Sim, juntar, porque decidi me rebelar contra o gel de sílica. Isso bem no comecinho, ainda em 2008. Junto todos. Todo saquinho de gel de sílica que vejo, jogo no porta-malas do carro. E não só os de casa, os do Wal-mart também. E lá o que não falta é gel de sílica, que vem nas caixas dos produtos em pacotes maiores. E dentro dos produtos tem mais sílica, mas naqueles saquinhos menores que todo mundo encontra no bolso de uma jaqueta ou nos zíperes das bolsas.

E foi de saquinho e sacão que juntei quase sete pounds de gel de sílica em um ano e meio. Pesados e conferidos no Wii da Florzinha. Ela está na escola, então, não deu para pedir autorização, mas se a Pequena pesa o Gato no vídeo game, não vejo problema. Aliás, o gato tem até perfil no Wii. Sete pounds deve dar uns três quilos, ou quase. É que o Wii é iletrado em quilês, domina apenas o poundês.

Desiccant
SILICA GEL
Do Not Eat
Throw Away

Todo sacão ou saquinho vem com as mesmas palavras. Jogar no lixo? Dúvido que seja a melhor alternativa, tá na cara que esse porcaria deve provocar algum dano ambiental.

Pois cá estou eu diante da pilha, três quilos de gel de síllica. E agora, o que fazer com isso? Como já descumpri a advertência da embalagem ao não jogar fora, resolvi encarar a rebelião total: do not eat. Abri uns quatro sacos e despejei num prato descartável (de papel, que também estou em guerra contra o plástico). A primeira constatação foi ridícula: gel de sílica, vejam só, é sólido. Mais uma das contradições da terra-da-hambuger-no-lanche-escolar.

Como havia o risco de envenenamento, resolvi acionar a equipe de emergência - personificada na ilustre fugra do Gato. Digitei 911 no celular e amarrei o telefone na pata do bichano. Com o Gato preso ao colo, se algo me acontecesse ele andaria e acionaria o auxílio externo.

Nem foi preciso, gel de sílica tem gosto de nada. Encostei nos lábios e... grudou! Faz sentido, já que foi desenvolvido para retirar a humidade. Também é muito duro, não dá para mastigar. Pensei em engolir, mas as duas alternativas me desanimaram: (1) as bolinhas vão chupar todo meu suco gástrico e vou parar no hospital (ou necrotério, se o Gato falhar na função de diretor da equipe de emergência) ou (2) as bolinhas vão passar tranquilamente pelo sistema digestivo e serão eliminadas pelas vias de praxe. Das duas, a segunda hipótese me assustou profundamente, quem como sílica sabe o cu que tem.

Ainda pensei no Gato, mas ele não deu a mínima para a nova comida que despejei no potinho. O 'gel' também não tem cheiro. Se não serve para comer, me veio a idéia de usar a sílica para acender churrasco. Não que a gente faça churrasco por aqui - o preço da carne é proibitivo, mas tem de ter uma utilidade para toda esse falso gel. Outra decepção, essa porcaria sequer pega fogo.

Quem sabe cozinhando dá para fazer algo? Peguei a panela - a com teflon, que é para não dar trabalho na hora de lavar, e não é que funcionou? No banho-maria, o gel de sílica passa a fazer jus ao nome. Minha meta agora é descobrir se a sílica é parente do silicone. Se for, a Isa que se prepare, porque vai acordar turbinada qualquer dia desses.

Beijo e saudades,

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Para não mais falar de CDF


Caos total. Chamem a polícia! O Oraite foi censurado. E sob chantagem.

Explico. Ou tentarei. A Marisa acaba de tirar um B. Normal, né? Não, não é normal porque, além do tio e das tias paternas, ela foi premiada com uma mãe CDF. E agora a culpa da nota baixa é do blog. Ou minha, sei lá. O fato é que a Pequena tirou um B e a Isa - numa série de ilações, inferências e silogismos que prefiro não reproduzir - chegou à conclusão de que eu sou diretamente responsável.

Tá bom, vou resumir em poucas palavras o que ela extensivamente argumentou por 43 minutos (e ao telefone!): quem vai querer estudar se tem pai que acha bonito tirar zero? Eu completo: e zero escrito à mão, que é para não dar chance ao meliante de pôr um 1 antes do 0 e ganhar um 10.

Eu ainda tentei argumentar que a Pequena tirou B em inglês, idioma que ela só conhece há pouco mais de dois, lembrei que ela foi alfabetizada em português, enfatizei que até em matemática ela sempre tira A, nada adiantou. A Isa decretou que eu não posso mais falar do meu zero e nem do meu não-cedeefismo. Aliás, eu sou mesmo é anti-CDF, e declarado. Acho tirar 10 em tudo ridículo.

Pois então, ou eu paro de falar dessas coisas ou é greve. Parêntese. Cê sabe de qual greve tô falando, né? Não dá para explicar porque tem criança na platéia. Fecha.
E estou eu aqui escrevendo pela última vez a palavra CDF. Mas não é tudo. Não basta apenas cessar os comentários, eu tenho de terminar de uma forma positiva, que incentive a rebento a estudar. Sou obrigado, com o rabinho entre as pernas, como diria dona Nilma, a reproduzir meu boletim do mestrado:

Professional Communications: A
Foundations of Adult Education and Training: A
Critical Issues and Trends in Adult Education and Training: A
Introduction to Action Research: A
Instructional Design: A
Instructional Strategies in Adult Education and Training: A
Measurement, Evaluation, and Ethics in Research: A
Facilitating Instruction for Diverse Adult Learners: A
Technology for the Adult Learner: A
Assessment and Evaluation in Adult Learning: A
E-Learning: A-
Action Research: A
E-Learning Design Technologies: A
Applications of Action Research: A

Infelizmente, parece que depois de velho virei CDF. E não se fala mais nisso.

Beijos e saudades,

Imagem: papeldeparede.fotosdahora.com.br

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

De volta ao mundo virtual


Pois sim, pois sim. Depois de um longo e necessário resguardo, volto amanhã a frequentar os ambientes online. Passado o mestrado, finalmente tenho tempo para perder pela internet. Agora, quando estiver no computador, além de ver mulher pelada e resultado de futebol, vou também estar no MSN, Google Talk e Skype. Eu ia falar do ICQ, mas saudosismo virtual tem limite. E acho que nem existe mais. Tenho saudades do ICQ.

No Entanto, do que sinto falta mesmo é do acesso discado. Aquele barulhinho era mágico. Nenhum trabalho estava pronto antes daquele sonzinho, já que sem ele tudo que você tinha feito não ia a lugar algum. De mais a mais, demorava tanto que enquanto esperava a conexão tinha tempo de revisar tudo que tinha escrito. Muito útil o tempo de espera da conexão discada. Melhor do que ele só mesmo o fax. Ah, o fax.

Podem falar de tudo - pólvora, celular, roda, relógio de pulso, SuperBonder e KY, para mim nada supera a genialidade da invenção do fax. Você põe aqui e sai lá do outro lado, sejá lá onde for o outro lado, no escritório do andar de cima, na China ou até em Feira de Santana, onde até hoje só há energia até às 22h00, quando os geradores a querosene são desligados. E o fax ainda permite arrependimento! E-mail não. E-mail é cruel, clicou no send, fudeu. Quem nunca encaminhou a um amigo uma mensagem falando mal do remetente e depois descobriu que, ao invés de encaminhar, respondeu ao e-mail? Que explicação dar a alguém depois de falar mal dele para ele mesmo, e em terceira pessoa?

No fax não, você pode interromper a transmissão. Sim, porque no fax, ao contrário do e-mail, você ainda tem a chance de ir lendo o texto enquanto ele está sendo transmitido. Foi esse recurso maravilhoso que me impediu de perder o emprego no fim dos 90 ou início dos 2000. Cronologia não é meu forte. O concreto é que era presidente da Câmara Legislativa a deputada Lúcia Carvalho. Tinha eu de mandar uma mensagem escrita ao gabinete e o emissário era o bom, fiel, confiável e sempre condescendente fax. Parêntese. Tive de olhar condescendente no dicionário. Fecha parêntese. Aliás, não, não. Ainda no parêntese: toda vez digito ‘faz’ e não ‘fax’, acho que é a deslexia. Vou criar agora outro parágrafo, porque senão esse vai ficar muito grande e antiestético. Fecha, de verdade, o parêntese.

Enfio o papel, digito o número, aguardo o sinal automático de fax, não veio, atendeu uma voz e pedi o sinal; tive de ligar de novo, que a voz não sabia que botão apertar e tinha de pedir ajuda ao boy. Ligo de novo, o sinal atende e começa a transmissão. O fax bom é aquele lento, que permite você ler até o final da página antes de mandar tudo. Esse faxes modernos, que engolem a página e a cospem do outro lado quase imediatamente, são um perigo. E ia o fax passando a mensagem quando flagro no último parágrafo um errinho de nada. Tinha esquecido de digitar uma letra. No normal, deixaria para lá, mas ficou de fora logo o v da Lúcia CarValho.

Ainda no saudosismo, eu ia falar que me faltava a máquina de escrever, mas esse é um problema superado: comprei aqui num antiquário (dinheiro da Isa, claro) uma Underwood da década de 40 em perfeitíssimo estado. Todos os comandos e teclas funcionam a contento. O único problema é que a fita também parece ser da década de 40... Então, a parte vermelha já não escreve e a preta virou um cinza bem claro. Tenho resistido à tentação de escrever nela para não acabar com o restinho de tinta (estou analisando a possiblidade de pingar tinta de carimbo sobre a fita), e apenas bati um pequeno bilhetinho estilo telegrama para a Isinha. Ponto.

De volta ao mundo virtual. A Isa vai brigar comigo, mas vou divulgar os contatos on-line para quem quiser me convidar para um bate-papo. Diz a mãe da Marisa que o mundo internético está cheio de gente má, tanto que me obrigou a retirar a foto da minha autorização de trabalho publicada aqui lá nos idos de 2008 (se foi você aquele único leitor desse comentário pode conferir no arquivo aí da esquerda: não há mais a foto). Já eu prefiro acreditar na purezadalma e publico sim:

MSN: marcio@someletras.com.br

Skype: mtpeixoto

Gtalk: marciotpeixoto@gmail.com

Beijos e saudades,

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

CDF almofadinha

Olá, pessoas.

Acabo de chegar do bom e velho Wal e dou de cara com o seguinte comentário ao post Bi-Campeã!!!:

"Imagino o quanto duro deve ser ter tres irmaos inteligentissimos. Claro que a florzinha herdou o melhor do DNA Torres Peixoto: a inteligencia, o bom humor e os lindos cabelos cacheados. A proposito, embora tenha um ingles mediocre, consigo ler, sabia???? Para seu desespero e decepcao!!!!!"

A mensagem é de minha irmã Lu, CDF de tradição, psicóloga de profissão e um pé-no-saco, como toda irmã mais nova. Lembro de ter batido muito nela quando éramos menores. Tá provado que não apanhou o suficiente. O pior é o sadismo, e vindo logo de uma psicóloga.

Meu trauma por ser um fracasso escolar em meio a três CDFs é tamanho que o terapeuta me transferiu para um psiquiatra. Até agora, só duas diferenças no tratamento: o preço da consulta e as pernas da atendente. Atendente de psicóloga não depila.

Caramba, só quem é azul em terra de verdes pode entender isso. Somos quatro lá em casa, dois homens, duas mulheres. Eu sou o segundo, depois do primeiro e antes das duas moças. E todos são incrivelmente bem dotados para a escola. Sempre, sempre, sempre, a mesma história. Meu irmão teve a cara-de-pau de passar em um concurso pública para uma vaga. Uma vaga. UMA VAGA! Quem, pelo amor de Deus, se inscreve em concurso para uma vaga? (Vai ver foi por isso, ele era o único concorrente)

Minhas irmãs não ficavam atrás, passaram nos vestibulares que quiseram, nas universidades públicas que escolheram e têm quilos daqueles certificados de CDFs. Pois revelo agora: passei no vestibular numa faculdade particular, eram 60 vagas. E eu fui exatamente o de número 60. Pode consultar meus anais (com todo respeito, claro) no Ceub que a informação está lá. O último.

Todo ano era a mesma coisa, dava o terceiro bimestre e meus três irmãos passados. Aprovados, se tirassem zero em todas as provas do quarto bimestre, que na Bahia a gente chama de unidade, ainda assim estariam promovidos. Meu pai? Sorriso de orelha a orelha. Eu? Só rindo. No sufoco para tirar um 4, quem sabe um 5, mas sempre na peleja, fazendo prova final, recuperação, o diabo. Por dois anos fui aprovado pelo conselho de classe. Sabe o que é conselho de classe, né? Os professores se reúnem em uma salinha para analisar caso-a-caso os fracassados daquele ano. "Não, esse aqui realmente não tem jeito, vai repetir". "Olha aí o Marcio..., o Marcio de novo". "Ah, mas o Marcio tem o irmão que é muito inteligente, quem sabe o irmão ajuda no próximo ano?". "É, realmente, vamos dar outra chance a ele". E eu recebia o chamegão de aprovado. Veja só, meu irmão passa a si e também a mim. Nunca o agradeci por me presseder. Valeu, Téo.

E no ano seguinte era mais do mesmo. Na sétima série cheguei a ficar com média zero em matemática no segundo bimestre. Zero mesmo, zero na primeira prova, zero na segunda prova, zero mais zero dividido por dois, zero de média. Zero escrito à mão no boletim, tenho-o guardado com muito carinho em casa, mostro a quem quiser ver. Das lembranças que tenho do meu pai na infância a mais marcante é o olhar-de-esse-menino-foi-trocado-na-maternidade quando viu este boletim.

Seu Fernando nos buscou na escola em um Gol branco. Sophia Costa Pinto, no Corredor da Vitória. É lá que começa o desfile dos blocos de carnaval em Salvador, ou era, que de folião não tenho nem a mortalha (hoje é abadá, mortalha era muito mais charmoso). Sentei no banco de trás, como manda a hierarquia. O feladaputa do meu irmão já entrou balançando o boletim. Um retângulo de cartolina rosa com a foto do estudante no canto superior direito. Seu Fernando, que já tinha dado partida no carro, o desligou para contemplar a obra de arte. Cabia bem em uma moldura. Cumprimentos de praxe finalizados, ele pergunta pelo meu. Sentado na diagonal do volante, estiquei o braço e entreguei.

Foi um tempo curto, coisa de fração de segundos, até ele localizar o zero. Antes, passou pelo 1,3 em português e 2,4 em história. Mas o que doía mesmo era o zero, por escrito, em matemática. Ele olhou o boletim, e eu pensei, lá vem a martelada. Mas não. Seu Fernando nada disse, apenas olhou para trás e devolveu o boletim. Deu partida no carro e a vida seguiu.

Pois bem, chega de reminiscências, que agora eu também sei o sentimento que é ser pai de CDF. É meio constrangedor, mas é bom. Só fica um aviso: aprendi mais matando aula do que delas participando.

Beijos e saudades,

PS.: Se você não sabia, fique informado de que minha irmã Lu é secretária de Saúde de Mata de São João. Mata é o município onde ficam, por exemplo, a Praia do Forte e a Costa do Sauípe. Então, da próxima vez que você der um pulinho pela Bahia, comer um acarajé estragado na praia e ficar sem atendimento na rede de saúde do município, pode saber: tem CDF sentado sob o ar-condicionado na Secretaria.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

A neve...

Olá, pessoas.

Estamos em pleno inverno. A coisa tá tão feia que no fim de semana até painho me ligou – pela primeira vez desde que cá cheguei – para saber se estava tudo bem. Ele tinha visto na TV que a Carolina do Norte tinha decretado estado de emergência por causa da neve. Sim, seu Fernando, estamos todos bem por aqui.

Neve é que nem conhecer a pessoa mais bonita da festa e descobrir que a figura é oca: uma alegria enorme quando você é apresentado e outra, maior ainda, quando a gente consegue se livrar. A neve mesmo foi na sexta-feira passada, mas hoje é quinta e continua cheio de gelo por aí. Marisa e Isa passaram a semana quase toda em casa, aulas suspensas por causa do gelo nas pistas. Só hoje voltaram aos respectivos colégios, uma para ensinar, outra para aprender – ambas para me fazer inveja. O Wal-Mart abre sábado, domingo, madrugada, feriado e, claro, dia de neve. Só fecha mesmo no 25 de dezembro. Por enquanto, porque a cada ano abre até mais tarde na véspera. Antes, era até 18h00, neste último 24 de dezembro já foi até 20h00 e, não duvido, em breve vai abrir até no aniversário de Jesus.

A neve e o Wal têm uma relação especial. Qualquer ameaça de mau tempo, todo mundo corre para lá. A quinta e a sexta passadas foram dias enlouquecedores, o povo se matando por um galão de leite, uma dúzia de ovos ou um pacote de pão de forma. Dois dos três produtos mais vendidos nas vésperas de neve – leite e ovo – ficam no meu departamento, o que me garantiu muita diversão nestes dias nevosos, especialmente porque boa parte dos funcionários também deixa de trabalhar e quem vai tem de fazer as tarefas de três ou quatro pessoas. Eu fui todos os dias, derrapando o carro por 11 milhas até chegar lá. Não perderia por nada.

É nos dias de neve que acontecem os maiores inusitados do Wal. Nunca vi nada igual, no sábado não havia sequer um ovo, fatia de pão ou leite para contar a história daquelas horas de guerra. O corredor dos pães também era desolador, todas as prateleiras vazias. E que diabos esse povo tanto faz com pão, ovo e leite? A única resposta que me vem à cabeça é rabanada, que aqui eles chamam de french toast.

A situação é de batalha campal mesmo, com gente batendo boca pelo último produto. Eu fico sempre torcendo para o leite acabar quando eu esteja por lá para ver o fuzuê. A melhor de todas, desta vez, não foi por causada pelo leite, e sim pela cerveja, que fica estrategicamente armazenada em geladeiras em frente ao meu departamento.

Foi na sexta-feira. O leite estava saindo a olhos vistos, mas eu tinha estoque e repunha na velocidade que ter apenas dois braços permite. E vem vindo um casal, empurrando o carrinho. Eles estacionam o bug (gíria sulista para carrinho de mercado – não vá chamar o cart de bug se estiver em Washington ou Nova Iorque, é coisa de tabaréu, mas eu posso porque sou de Feira de Santana) em frente aos ovos, com o leite à direita e a cerveja à esquerda. Aquela parte de baixo do carrinho já estava lotada de pães. A esposa abre a grade do banquinho-onde-a-gente-põe-os-filhos-quando-eles-ainda-nos-obedecem e deposita cuidadosamente três caixas de uma dúzia e meia de ovos. Fui gentil e avisei: se a senhora vai levar esse tanto, é melhor comprar a caixa de cinco dúzias, que sai mais em conta. Ela agradeu, mas preferiu as três de dúzia e meia, porque caberiam perfeitamente no único espaço que ainda lhe restava no refrigerador, entre os leites que ela pretendia levar e a meia dúzia de cerveja que o marido compra toda semana.

A senhora se vira para os leites e, sem olhar para o carrinho, vai pondo os galões: um, dois, três, quatro, cinco. Do outro lado, o marido começa a pôr cerveja no mesmo carrinho. Só não foi a tradicional meia dúzia de toda semana. O cara vai pegando caixa de 24 latinhas. Uma caixa, duas caixas, três, quatro. Pensei, cada um com sua prioridade, mas que isso vai dar merda, vai. Daí a mulher percebe, porque foi colocar o sexto galão de leite ainda sem olhar para o bug, não havia espaço e os 3,6 litros acabam no chão. Leite para todo lado. No Wal, há um ditado: você viu, é seu. Ou seja, qualquer sujeira no chão tem de ser limpada pelo primeiro que a vê. É por isso que tem tanto funcionário que só anda olhando para o horizonte. Pode reparar na próxima vez que for a um supermercado, porque acho que a regra é universal. Ninguém olha para o chão.

Eu não tinha nem como fingir que não tinha visto, porque a essa altura até minhas meias estavam encharcadas. E eu também tinha outros interesses em ver a conclusão do caso: a senhora não se preocupe, que eu limpo tudo. E ainda joguei lenha (confesso que nessa hora me faltou um pouco da velha solidariedade masculina): pode continuar suas compras com seu marido. Limpar leite derramado eu faço todo dia, mas briga de marido e mulher é só em dia de neve.

A patroa olha para o carrinho, olha para o marido, olha para o carrinho, olha para ele de novo, mas agora com aquela cara de por-que-é-que-eu-casei-com-esse-imprestável-mesmo?, e dispara: ficou louco? Pra que esse tanto de cerveja? Não tem onde pôr! O cara nem se abala: com essa neve, se eu vou ficar trancando em casa com você, preciso de alguém que me entenda!

Beijos e saudades,

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Bi-campeã!


Marisa acaba de sagrar-se bicampeã.

Como não sei se tem hífen, vai com no título e sem no texto, assim tiro cinco e fico na média, como sempre foi minha vida escolar. Na verdade, dizer que eu era média é licença poética, porque tenho diversas notas 4,5 ou 4,0 e por aí vai escada abaixo, como 1,1 ou 2,2 (ambas em redação, vá lá entender como alguém nessa situação vira jornalista...) culminando com um zero na sétima série. Acho que já falei disso aqui, mas vou repetir que foi em matemática a tal da média zero. Zero escrito à mão no boletim. Zero na primeira avaliação, zero na segunda. Ou zero no teste e na prova, como a gente fala lá na Bahia. E olha que eu respondi a todas as questões, com cálculos e tudo mais. As respostas podiam não estar certas, mas não eram inventadas não - todas as contas entavam lá para prová-las.

Só um parêntese, culminando é uma palavra horrível, parece coisa de quem está em plena crise de hemorróida. Fecha parêntese.

Pois Marisa é bicampeã. No ano passado ela ganhou a Feira de Ciências do colégio. Ainda estava na escola elementária (não sei se o termo é esse, aqui é Elementary School, pode ser que seja elementar, meu caro Watson). E agora, no primeiro ano da escola média (essa eu devo ter acertado, porque não vejo outra tradução possível para Middle School) ela acaba de ganhar outra feira, a de... matemática.

Depois dessa, tem jeito não, só pedindo DNA. Filha minha campeã escolar e logo em matemática? Tá na cara que tem dedo do vizinho (mais provável que tenha sido outra parte da anatomia masculina). O que pode salvar a Isa da guilhotina é o fato de a Pequena ser neta de seu Fernando e sobrinha de Téo, Lu e Lore, quatro CDFs consagrados. Painho só ouvi dizer que era cedê, mas o primogênito e as duas fedelhas pós-Marcio acompanhei de perto, a cada boletim com 10 de cabo a rabo. Ridículo, eles tiravam 10 até em ensino religioso e educação física. Duro crescer numa família assim, mas tá aí a terapia para me ajudar e a Florzinha para me redimir.

Pelo sim, pelo não, segue o projeto campeão da 6th Grade Math Fair da South Asheboro Middle School 2009-2010, com texto no original. Eu ia fazer uma tradução livre (adoro essa expressão, me sinto um gênio quando faço uma 'tradução livre'), mas os cus-de-ferro lá de casa não dominam o inglês, então me deixem saborear essa única vitória escolar (não que eu domine o inglês, longe disso, mas ao menos entendi o projeto):

Magic Numbers

You know some of those riddles that a person guesses the number you are thinking? And don’t they normally get it right? Here is an example of those riddles with a how to.

Here’s the number riddle:

• First, just think of a number from 1-10. Keep it a secret.

• Now, multiply whatever number you chose by 2.

• Add 4 to this number.

• Whatever number you have, divide it by 2.

• Finally, subtract your original number from the number you have now.

• Concentrate on your result.

• Was your answer…
(Open curtain)
2

How To:
This problem involves a little algebra:

First, choose a number from 1-10.
(I don’t know what your number is, so I am going to call it Y)

Now, multiply your number by two.
(Y is now getting multiplied by 2 leaving me 2 x Y)

Add 4 to this number
(2 x Y turns into 2 x Y + 4)

Whatever number you have, multiply it by 2.
(Here’s the whole thing: 2 x Y + 4 gets divided by 2. Half of two Y’s is one Y and half of 4 is 2. This leaves me with 2 + Y)

Finally, subtract your original number from this number.
(I subtract y from 2 + Y, leaving me with 2 + Y – Y = 2. It doesn’t matter what number you start with, I am always going to end up with 2.)

Now you can go and test your friends!

A explicação é muito complexa para o meu matematiquês, mas fiz com todos os números de 1 a 10 e sempre deu 2 como resultado. O pior de tudo é que eu desconfio que a Marisa tem preferência pela matemática. Ela decidiu não participar da feira de ciências este ano. Eu achei muito estranho e perguntei a razão. Ela disse que preferia se concentrar na feira de matemática, para fazer um ótimo projeto ao invés de dois mais ou menos. Assim, fria e calculista.

Beijos e saudades, tão certo como 4 vezes 8 dá 34.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

O Inferno de Disney


Olá, pessoas!

Nunca li a Divina Comédia. E é bem provável que jamais a leia, já que (1) não sou lá fã de poemas em geral e dos épicos em específico e (2), infelizmente, já me faltam zilhões de horas nesta vidinha para ler o que realmente me dá prazer (ou daria, posto que basta ir a uma livraria, biblioteca ou simplesmente percorrer minhas estantes para dar de cara com mais coisa que gostaria de ler e sei que não vou ter tempo). Mesmo assim, a viagem de férias me fez mudar a imagem que tinha da obra.

Antes, quando eu pensava no inferno de Dante (se é que eu pensava nisso), me vinham as ilustrações de Dalí ou mesmo o quadro do Botticelli, mas agora alcancei o que os norte-americanos gostam de chamar de “big picture”, deixei de lado a visão parcial e descobri a alma do negócio. O inferno na terra, descrito por Dante num livro que não li e nem pretendo, está materializado: Walt Disney World.

A desconfiança de que aquilo lá era uma loucura veio da primeira vez que por lá passei, no Natal de 2007, com a Isa e a Florzinha. As filas eram monstruosas e os caras achando tudo bom, porque nas férias de verão, especialmente em julho, haveria muito mais gente. Pior do que aquilo? As filas são tão grandes que eles criaram níveis. Você tá lá olhando uma porta com 200 pessoas na sua frente, mas tá pertinho, oba! Passou pela porta? Parabéns, você acaba de entrar no próximo nível da fila. Mudam a decoração, o ambiente agora é fechado e climatizado, mas é apenas mais do mesmo: uma boa e velha fila. Há brinquedos em que há quatro níveis de fila, e toda vez eu achava que tinha chegado nossa hora, mas após cruzar o maldito portão dava de cara com outras 400 pessoas em um novo ambiente. Quem teve a chance de ir ao matadouro lá em Feira de Santana não consegue evitar a associação e se sentir como uma vaquinha na fila do abate.

Eles colocam no fim das filas umas plaquinhas interessantes informando o tempo de espera. Em 2007, a menor demora que vi foi de 30 minutos e a maior, de 210. É isso mesmo, três horas e meia na fila para passar 90 segundos em uma montanha russa. E ainda correr o risco de um gringo vomitar em você ou ficar ouvindo brasileiro falando besteira achando que ele é o único a entender português. Aliás, essa é outra característica da Flórida, brasileiro dá em árvore. Você pode passar dias sem ter de gastar o inglês, porque nas lojas e restaurantes há conterrâneos trabalhando. Alguns. A maioria está mesmo comprando, (muito, nunca vi brasileiro sem sacolas cheias. Cadê a tal da crise? Não chegou por aí não?). E nos brinquedos da Disney também relaxe, porque nas principais atrações há instruções em áudio e texto em português. Fora os monitores. Segundo uma paraibana que conhecemos lá, 900 jovens brasileiros estão em intercâmbio de trabalho na Disney neste fim-de-2009-início-de-2010. Estudam inglês por um período, trabalham no outro. O trabalho deveria ajudar a desenvolver a comunicabilidade no segundo idioma, mas é inútil. Os funcionários do Walt usam um crachá com o nome na primeira linha e a origem, na segunda. Então, monitor brasileiro só fala mesmo a língua de Camões.

Chega de informação, que isso já tá com cara de reportagem mal apurada. De volta ao inferno. A Disney de 2007 foi cansativa, mas como era a primeira vez tinha o gostinho do novo, então, até fila era festa. E a gente ainda levou a Marisa sem que ela soubesse, então, ganhamos um momento Mastercard quando a gente deu o ingresso à Pequena. Mas agora estivemos de novo lá e em um grupo bem maior. Nove pessoas. E a idéia da Disney foi minha! Meus irmãos estavam vindo nos visitar e sugeri que a gente se encontrasse em Miami e subisse de carro para a Carolina do Norte, fazendo um roteiro turístico pelo caminho. Tenho a impressão de que conhecer a Disney faz parte do inconsciente de boa parte da classe média brasileira. Acho que estava certo, porque minha irmã quase chorou porque não conseguia tirar uma foto com o Mickey. No fim, acabou passando duas horas numa fila e bateu o tal retrato com o rato. Pegou o autógrafo também. Beliscou a bunda e deixou o telefone, mas o Mickey ainda não ligou.

O duro é que tenho plena certeza de que ainda terei de voltar à Disney. Não tenho qualquer plano para isso, mas me parece claro que vou retornar ao inferno com sobrinhos/sobrinhas ou até mesmo com os herdeiros da Florzinha. Quando isso acontecer vou usar na imigração as palavras proibidas no linguajar aeroportuário e fazer o grupo ser deportado a São Paulo. Assim, a gente vai ao Parque da Mônica (corre, que vai ser despejado do Shopping Eldorado), ao Hopi Hari e ao Playcenter. E ainda ganha de brinde o Masp, a Pinacoteca, o Ibirapuera, as Culturas do Conjunto Nacional e o fantástico Museu da Língua Portuguesa. Nas filas tupiniquins ao menos, espero, os brasileiros não tratam a pátria como uma porcaria ou falam do Tio Sam como o melhor lugar do mundo, enquanto estão apenas como turistas na caríssima Disneylândia.

Beijos e saudades,

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Ainda vivo


Olá, pessoas!

Vou retomar o monólogo de sempre aqui no blog. Nem lembro quando foi a última mensagem, mas já explico que o motivo do afastamento está superado: sou mestre!

Falta o diploma chegar, mas a dissertação está concluída, apresentada e aprovada. Meu grau foi concedido em 31 de dezembro (o povo trabalha mesmo aqui no último dia do ano, pode?!??!).

Além disso tivemos visitas do Brasil praticamente de novembro até o dia 16 último. O que deixou o blog ainda mais de lado. Ao todo, passaram por aqui - em períodos diferentes - oito pessoas. É bom registrar que a visita maior foi a da sogra, quase um mês. E de novo, já que em março ela também esteve por aqui. Visitamos um bando de lugares com esse povaréu: Miami, Cabo Canaveral, Orlando, Daytona, Saint Augustine, Atlanta, Charlotte.

Bom, em resumo, estamos começando a arrumar as malas para a volta. Pretendemos estar em Brasília antes do fim de junho. A Isa trabalha até 13 de junho e depois disso temos umas coisinhas para resolver (vender carro, móveis, achar uma casa para o gato, blá, blá, blá).

Na foto, Marisa recebe um delicado beijo do primo Victor. Ficou roxo três dias.

Beijos e saudades,