sexta-feira, 2 de abril de 2010

O blog da Pequena



Eu devo realmente estar ficando velho.

Não, não, não que eu ache isso ruim. Muito pelo contrário, envelhecer é um prazer inesperado. Me sinto melhor a cada dia, fora uma dorzinha aqui, outra ali, o crescimento da barriga e a queda de cabelos. Eu tinha decido fazer tratamento contra calvice, só que o médico disse que o maior efeito coletaral era o risco de diminuição do desempenho entre quatro paredes. Nunca mais voltei ao consultório do cidadão. Achei que a careca me cairia bem, mais do que eu, a Isa, que passou ela mesma a raspar minhas madeixas, um gesto desesperado para esconder a clareira que se abre no centro do cucuruto.

Eu dizia que a juventude é enfadonha, uma espécie de pressa-lenta que nunca termina, é como tentar correr a maratona no ritmo dos 100 metros. O jovem é um cochilo do divino, quase um erro da natureza. Vai ver Deus era muito novo quando fez o mundo. Se fosse mais experiente, o Criador teria incluído um período sabático no nosso amadurecimento. Não, sabático é coisa de rico em crise de meia idade. O melhor mesmo seria uma hibernação. É, todo mundo devia hibernar dos 18 aos 32 anos. Daí a gente acordava pronto para a vida, depois de ter curtido a infância e sem o imediatismo bobo da casa dos 20. Durante esse período cada um curaria todos os traumas de infância, para desespero dos psicólogos, que agora teriam de mudar de ramo. Aliás, se a hibernação-amadurecedora existisse, a profissão sumiria. Não sei se o mundo seria melhor sem psicólogo, mas com certeza eu economizaria um dinheirão em terapia.

O fato é que, apesar de ter apenas 36, me sinto completamente de outra época. Tudo mudou tanto nestas duas últimas décadas que estou quase obsoleto, superado, um objeto do século passado. E o século passado tá ali, se a gente olhar para trás ainda o vê na esquina. Só que agora dez anos parecem uma eternidade.

Uma das coisas diferentes hoje é a relação pai/mãe-filho/filha. Me lembro de ter um medo enorme de meu pai, quando ele ia chegar do trabalho a gente tinha de estar em casa e de banho tomado, com a tarefa da escola pronta. Essa última parte eu furava, mas no resto seguia o mandamento à risca. E a gente apanhava também. Lá em casa, não do pai, mas da mãe. Melhor, eu disse a gente, mas devo corrigir: eu apanhava. Minhas irmãs e o irmão nunca fizeram por merecer. Mas eu lembro de ter levado surras quase homéricas de dona Nilma nos anos 70 e meados dos 80.

Não quero discutir o efeito educativo da palmada, mas era um direito dela me bater e pronto, ninguém discutia isso. Parêntese. Vou avisar logo aos saudosos da pancada que não existe esse tal de corretivo físico, mainha sofria bem mais do que eu nas surras. Eu vou te bater! Tá aqui ó, eu trouxe o seu tamanco - e esticava a mão aberta. Uma, duas, três, dez chineladas e nada. A senhora cansou, o braço tá doendo, acha melhor buscar o cinto de painho? Em mim não fez nem cosquinha... Fecha parêntese.

Agora não, a coisa está mais complicada. Outro dia, a Isa apertou o braço da Marisa e foi um escarcel, a Pequena saiu me gritado a mamãe me bateu, a mamãe me bateu! Se ela tivesse visto as surras que eu levei... Mas a Isinha nem tinha encostado o dedo na guria, apenas segurou o braço com um pouco mais de força, nem a marca dos dedos ficou. Pois a menina ficou apavorada, com cara de eu-vou-te-denunciar-ao-SOS-Criança.

Outro novidade é o castigo escolar. Eu já fiquei muito tempo de pé com a cara na parede. Também já escrevi dezenas, centenas de vezes no quadro negro (que por onde passei - e são quase três décadas de escola em uma dúzia de instituições - sempre era verde) 'não vou mais puxar o cabela das meninas' ou 'não devo chutar a pró'. Pró é como baiano chama a professora, é que dá uma preguiça danada dizer essa palavrona toda. E passei horas sentado na cadeira do burro. Não só sentado, mas usando um chapéu enorme feito de cartolina que tinha até as orelhas do burro. As orelhas podem até ser uma traição da minha memória floreada, talvez até todo o chapéu, mas que a cadeira de burro existia, existia.

Eu ainda ia dizer que apanhei de palmatória na escola, mas essa eu tenho certeza que é filha da minha imaginação. Por outro lado, no colégio de Salvador onde eu terminei o primeiro grau, lá pelos 14 anos, os alunos tinham de ficar em pé toda vez que um adulto entrava na sala. E só podia sentar quando, e se, a pessoa liberasse. E nem era colégio militar ou de freira.

Hoje a vida da molecada é muito mais mole. A Marisa está sob punição escolar. Calma tio e tias CDFs, a sobrinha continua seguindo os passos de vocês e já está passada de ano, como manda a tradição familiar que vocês criaram e esqueceram de me avisar (e, principalmente, de deixar um restinho do gene para mim). É que estamos de férias, chegamos hoje a Washington, DC e só voltaremos para casa no dia 11. Aqui há o que eles chamam de spring break, uma pausa de uma semana nas aulas para comemorar a chegada da primavera. Lembram dos dias sem aulas que a Pequena passou em casa por causa da neve? Pois sim, o castigo, como dizia toda Nilma, sempre volta a cavalo. A neve de janeiro reduziu o recesso de abril para meia semana. Como a gente já tava com hotel pago, viemos assim mesmo. Só que como na terra-do-hamburger-e-fritas-no-lanche-escolar faltar aula dá assistente social na sua porta e até cadeia para os pais, Marisa foi obrigada a escrever um relatório diário da viagem.

Nesses tempos muuuudernos, o formato escolhido, sem gasto de papel e obtenção de 314 créditos de carbono, foi o blog. O endereço da página da Florzinha é www.iaroundtheglobe.blogspot.com, mas você pode clicar aqui que eu te levo lá. Resumindo, eu dei essa volta toda para dizer: tem blog novo na área, vá lá e deixe um comentário.

Beijos e saudades,

(imagens: www.clasesparticulares-madrid.es e www.eb23-cmdt-conceicao-silva.rcts.pt/sev/hgp)

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