sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

CDF almofadinha

Olá, pessoas.

Acabo de chegar do bom e velho Wal e dou de cara com o seguinte comentário ao post Bi-Campeã!!!:

"Imagino o quanto duro deve ser ter tres irmaos inteligentissimos. Claro que a florzinha herdou o melhor do DNA Torres Peixoto: a inteligencia, o bom humor e os lindos cabelos cacheados. A proposito, embora tenha um ingles mediocre, consigo ler, sabia???? Para seu desespero e decepcao!!!!!"

A mensagem é de minha irmã Lu, CDF de tradição, psicóloga de profissão e um pé-no-saco, como toda irmã mais nova. Lembro de ter batido muito nela quando éramos menores. Tá provado que não apanhou o suficiente. O pior é o sadismo, e vindo logo de uma psicóloga.

Meu trauma por ser um fracasso escolar em meio a três CDFs é tamanho que o terapeuta me transferiu para um psiquiatra. Até agora, só duas diferenças no tratamento: o preço da consulta e as pernas da atendente. Atendente de psicóloga não depila.

Caramba, só quem é azul em terra de verdes pode entender isso. Somos quatro lá em casa, dois homens, duas mulheres. Eu sou o segundo, depois do primeiro e antes das duas moças. E todos são incrivelmente bem dotados para a escola. Sempre, sempre, sempre, a mesma história. Meu irmão teve a cara-de-pau de passar em um concurso pública para uma vaga. Uma vaga. UMA VAGA! Quem, pelo amor de Deus, se inscreve em concurso para uma vaga? (Vai ver foi por isso, ele era o único concorrente)

Minhas irmãs não ficavam atrás, passaram nos vestibulares que quiseram, nas universidades públicas que escolheram e têm quilos daqueles certificados de CDFs. Pois revelo agora: passei no vestibular numa faculdade particular, eram 60 vagas. E eu fui exatamente o de número 60. Pode consultar meus anais (com todo respeito, claro) no Ceub que a informação está lá. O último.

Todo ano era a mesma coisa, dava o terceiro bimestre e meus três irmãos passados. Aprovados, se tirassem zero em todas as provas do quarto bimestre, que na Bahia a gente chama de unidade, ainda assim estariam promovidos. Meu pai? Sorriso de orelha a orelha. Eu? Só rindo. No sufoco para tirar um 4, quem sabe um 5, mas sempre na peleja, fazendo prova final, recuperação, o diabo. Por dois anos fui aprovado pelo conselho de classe. Sabe o que é conselho de classe, né? Os professores se reúnem em uma salinha para analisar caso-a-caso os fracassados daquele ano. "Não, esse aqui realmente não tem jeito, vai repetir". "Olha aí o Marcio..., o Marcio de novo". "Ah, mas o Marcio tem o irmão que é muito inteligente, quem sabe o irmão ajuda no próximo ano?". "É, realmente, vamos dar outra chance a ele". E eu recebia o chamegão de aprovado. Veja só, meu irmão passa a si e também a mim. Nunca o agradeci por me presseder. Valeu, Téo.

E no ano seguinte era mais do mesmo. Na sétima série cheguei a ficar com média zero em matemática no segundo bimestre. Zero mesmo, zero na primeira prova, zero na segunda prova, zero mais zero dividido por dois, zero de média. Zero escrito à mão no boletim, tenho-o guardado com muito carinho em casa, mostro a quem quiser ver. Das lembranças que tenho do meu pai na infância a mais marcante é o olhar-de-esse-menino-foi-trocado-na-maternidade quando viu este boletim.

Seu Fernando nos buscou na escola em um Gol branco. Sophia Costa Pinto, no Corredor da Vitória. É lá que começa o desfile dos blocos de carnaval em Salvador, ou era, que de folião não tenho nem a mortalha (hoje é abadá, mortalha era muito mais charmoso). Sentei no banco de trás, como manda a hierarquia. O feladaputa do meu irmão já entrou balançando o boletim. Um retângulo de cartolina rosa com a foto do estudante no canto superior direito. Seu Fernando, que já tinha dado partida no carro, o desligou para contemplar a obra de arte. Cabia bem em uma moldura. Cumprimentos de praxe finalizados, ele pergunta pelo meu. Sentado na diagonal do volante, estiquei o braço e entreguei.

Foi um tempo curto, coisa de fração de segundos, até ele localizar o zero. Antes, passou pelo 1,3 em português e 2,4 em história. Mas o que doía mesmo era o zero, por escrito, em matemática. Ele olhou o boletim, e eu pensei, lá vem a martelada. Mas não. Seu Fernando nada disse, apenas olhou para trás e devolveu o boletim. Deu partida no carro e a vida seguiu.

Pois bem, chega de reminiscências, que agora eu também sei o sentimento que é ser pai de CDF. É meio constrangedor, mas é bom. Só fica um aviso: aprendi mais matando aula do que delas participando.

Beijos e saudades,

PS.: Se você não sabia, fique informado de que minha irmã Lu é secretária de Saúde de Mata de São João. Mata é o município onde ficam, por exemplo, a Praia do Forte e a Costa do Sauípe. Então, da próxima vez que você der um pulinho pela Bahia, comer um acarajé estragado na praia e ficar sem atendimento na rede de saúde do município, pode saber: tem CDF sentado sob o ar-condicionado na Secretaria.

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